The New York Times
Surfando na onda do interesse por grãos antigos, o centeio está surgindo em várias cozinhas influentes, na forma de macarrão, mingau, brownies e como opção mais gratificante, no pão.
Diferente do pão de centeio conhecido nas Américas, que é macio, tem massa branco-amarelada e sabor levemente acre, as versões escandinavas e de outras partes da Europa setentrional são cheirosas, cheias de irregularidades e um sabor que lembra o de nozes. Podem ser escuros como bolo de chocolate e tão picantes quanto biscoito de gengibre. Geralmente tem um azedume todo característico e é inegavelmente delicioso.
O centeio, como a cevada e a aveia, é um grão antigo muito comum em áreas de clima frio e úmido. Antes que a agricultura moderna e o transporte disponibilizassem o trigo em todo lugar, ele era a melhor opção para a preparação de pães na maior parte do norte da Europa, da Rússia e nos países do Báltico, seguindo rumo oeste, passando pela Polônia, Hungria, Áustria, Alemanha e Holanda e subindo para a Escandinávia.
As versões mais tradicionais (como o escuro pumpernickel e o rugbrod) exigem fermentação lenta e devem ser assados em temperaturas bem altas, em ambiente úmido. Na Islândia, por exemplo, eles são selados e assados no subsolo, com o vapor natural das fontes geotérmicas. Quase sempre são azedos, consequência do processo lento de levedação que exigem, ao contrário dos brancos, que são neutros e adocicados. E também densos e pesados, o que tornou os pães de trigo fofinhos que surgiram no século XIX ainda mais atraentes.
RECEITA: + Pão de centeio integral nórdico
E foi assim que, embora extraordinariamente resistente e fácil de cultivar, o grão foi deixado de lado por muitos produtores escandinavos, sendo usado quase que somente para alimentar os animais e como opção de cobertura para devolver nutrientes ao solo.
Segundo Claus Meyer, dono do Great Northern Food Hall e de diversas empresas de alimentos nórdicos em Nova York, além de fundador do Noma de Copenhague, chef e "catequista" panificador, nas décadas de 70 e 80, o pão branco macio já se tornara o ideal e, com isso, os padeiros comerciais e artesanais abandonaram as versões marrons e começaram a fazer brioches e baguetes franceses delicados e pão branco no estilo norte-americano.
Porém, na Escandinávia, a tradição do smorrebrod (uma fatia de pão de centeio com manteiga servido como base para diversos ingredientes) ajudou a manter o pão de centeio vivo – afinal, os sanduíches abertos servidos na região no café da manhã, no lanche, no almoço e/ou todas as opções anteriores não podem ser montados em uma superfície porosa e molinha. "O amargor do próprio centeio e a picância da casca meio chamuscada são essenciais", ensina o chef.
Meyer é o autor de um manifesto pelo locavorismo assinado por dezenas de chefs escandinavos, em 2004. Para ele, ganhar respeito pela tradição culinária nórdica é uma paixão. Ele se tornou chef em um momento em que as culinárias francesa e mediterrânea eram glorificadas e a escandinava mal era notada no âmbito mundial. "Na época eu achava que não havia alimento do qual pudesse sentir orgulho, literalmente."
E foi assim que a produção de pães tradicionais se tornou uma missão, levando-o a sair em visita a moinhos antigos e a produtores, estimulando-os a cultivar grãos antigos. Atualmente, Meyer oferece rugbrod em plena agitação da estação Grand Central de Nova Yorke no descolado bairro de Williamsburg, no Brooklyn, preparando-o com cepas escandinavas do grão cultivadas no Maine por agricultores que agora estão apostando em sua revitalização na Nova Inglaterra.
Nas casas de Meyer, como acontece nas cozinhas nórdicas tradicionais, o pão é aproveitado de inúmeras formas: fatiado e frito serve de biscoito, esmigalhado e cozido faz parte do mingau do café da manhã (o chamado ollebrod), além de ser usado para iniciar a fermentação da rye ale da Brooklyn Brewery.
Na última década, muitos outros padeiros nórdicos, como Johan Sorberg e Camilla Plum, assumiram compromisso semelhante nos Estados Unidos. Chad Robertson, da Tartine Bakery, na região metropolitana de San Francisco, foi um dos primeiros padeiros modernos do país a investir no rugbrod, em parte estimulado pela repentina demanda por opções integrais e com pouco glúten; hoje, chefs nos dois extremos do país seguem seus passos.
Acontece que os norte-americanos continuam desconfiados em relação não só ao centeio, mas a outros grãos primitivos como a espelta (trigo-vermelho) e o einkorn, valorizados mais por suas propriedades nutritivas que pelo sabor.
Chefs como Kevin Adey, do Faro, no Brooklyn, pretendem mudar esse quadro; ele, por exemplo, prepara macarrão com a farinha de centeio durante todo o inverno, já que seu sabor característico que lembra nozes casa perfeitamente com ragus e molhos de cozimento lento. "O pessoal diz que não gosta de centeio, mas a minha teoria é a de que não curte é a algaravia. O ser humano foi programado para se apaixonar pelo sabor e o aroma dos grãos recém-moídos."