Especial para o Estado
Páscoa e bacalhau sempre andam juntos. Em qualquer de suas inúmeras versões, inclusive as menos conhecidas, como as apresentadas em recente edição do Paladar, ele está sempre presente à mesa, seja na sexta-feira, seja no almoço dominical. A decisão só complica na hora de escolher o vinho. Afinal, bacalhau é melhor com brancos ou com tintos?
Tintos, como recomenda a tradição portuguesa, ou brancos, como sugere a experiência de muitos enófilos, entre os quais me incluo? A resposta certa – se é que existe uma – é que tudo depende da preparação do prato. Numa analogia simples, é como perguntar se espaguete fica melhor com vinho branco ou com tinto. Se o molho for “alle vongole”, certamente com brancos; se for um ragu de carne, com tinto.
Em tese, pratos de bacalhau em que a preparação é mais simples, ou que levam molhos leves (à base de natas, por exemplo), como uma brandade, pedem vinho branco. Se a preparação envolver muitos ingredientes e/ou temperos fortes (alho, tomates, pimentões ou ainda carnes como presunto/chouriço), os tintos ganham pontos.
Essa mesma regra deverá orientar a escolha do estilo do vinho, especialmente no caso de brancos. Aqui, importa saber se ele deverá ou não ter estagiado em barricas de carvalho. Para uma simples posta de bacalhau cozida e acompanhada de batatas ou verduras, um branco sem madeira, como um vinho verde, será suficiente. Caso a preparação inclua manteiga, leite ou natas, como nas receitas tradicionais de bacalhau à lagareiro e à Zé do Pipo, melhor apostar num branco com estágio, não muito longo, em barricas. Nesse caso, um Chardonnay pode ser o caminho mais fácil, já que há muitas opções disponíveis no mercado. Se preferir os portugueses, vinhos à base da uva Encruzado, que reina no Dão, são boa pedida.
Embora a maioria das preparações de bacalhau, a meu ver, favoreça os brancos, nada impede que se escolha um tinto. Nesse caso, na contramão da cartilha portuguesa, é preferível optar por tintos leves, sem muita madeira, caso contrário o vinho provavelmente dominará o prato. Além disso, tintos costumam deixar um gosto metálico em pratos de peixes e frutos do mar. Hoje, sabe-se que o principal responsável por esse efeito deletério não são os taninos, como se pensava, mas a presença de óxido de ferro nos tintos. Alentejo, Dão e Douro oferecem inúmeras opções, mas um tinto chileno à base de Pinot Noir, uva conhecida pelos taninos sedosos, também pode ser incluído nessa lista.
A escolha não precisa se limitar a tintos ou brancos. O bolinho de bacalhau ficará ainda melhor se harmonizado com um espumante. A acidez e o frescor do espumante fazem um belo contraponto ao sal e à gordura da fritura. E mesmo os rosés funcionam bem com muitas preparações de bacalhau.
Afinal, vale lembrar a velha definição atribuída aos portugueses, quase em tom de piada, talvez por um brasileiro trocista: “Bacalhau não é peixe nem é carne, é... bacalhau”.
Quando o vinho é o 'Bacalhau'
O enólogo e produtor português Paulo Laureano encarou de forma criativa o dilema do prato emblemático de Portugal. Conhecido pelo talento, pela fidelidade incondicional às castas locais e por seus enormes bigodes, Laureano criou, com o apoio do Norge (Norwegian Seafood Council), um branco e um tinto talhados para pratos à base do pescado. O nome do vinho diz tudo: Bacalhau. Eles são importados pela Adega Alentejana.
BACALHAU TINTO 2015 | Corte bem talhado de diferentes castas, como a Aragonez. Traz notas frutadas (cerejas/amoras), de mato seco e tostadas, aportadas pelo estágio em barricas. Na boca, sobra um pouco de álcool (15% nessa safra), mas não é um vinho pesado. Preço: R$ 229,90
BACALHAU BRANCO 2016 | 100% Antão Vaz, a casta alentejana por excelência, oferece aromas de frutas tropicais, boa acidez e médio corpo. O estágio em barricas acrescenta maciez e complexidade, sem marcar muito o sabor. Preço: R$ 180,73