Geovane de Moraes Carneiro beirava os 18 anos quando deixou uma fazenda sem luz elétrica nos arredores de Conceição do Coité, cidade baiana de quase 70 mil habitantes, a uns 200 quilômetros de Salvador.
Era o começo dos anos 1990 e uma forte seca – parecida com a que estamos vivendo hoje – repelia o garoto. A saída foi trocar seu cavalo pela sorte. Primeiro numa favela em Itapuã, na capital da Bahia, depois em São Paulo.
Sem destino, seu destino se converteu no D.O.M. Mas não, não foi de cara. Geovane conheceu o dessabor do desemprego dividindo casa com um primo em Embu das Artes; arriscou e falhou miseravelmente como vendedor de coco verde; capitulou em ser ajudante em um boteco no Largo da Batata, em Pinheiros.
O rei da coxinha
Não venham com romantismo. Depois de lavar muita louça e servir muito pingado, um dia o rapaz foi obrigado a substituir um cozinheiro. Cozinhar, sinceramente, nem era coisa de homem na cabeça do menino que cresceu comendo galinha na volta da roça e sonhando com o vatapá que a mãe preparava na semana santa.
No entanto, Geovane era o tipo de funcionário ideal. De tão atento ao trabalho do colega, conseguiu improvisar coxinhas – e elas evaporaram da estufa. Resultado: ele acumulou mais uma incumbência.
A trabalheira era tamanha que o faz-tudo passou a buscar um trabalho menos pesado, quiçá de garçom. Dois ou três anos de incontáveis coxinhas e de pia e aprendiz em um restaurante francês o levaram a um novato na cena gastronômica da capital: Alex Atala.
O chef de Atala
Mais que subchef, o braço direito de Atala não arreda o pé da cozinha. Esteve ao seu lado e à sua escuta em sua primeira casa autoral, o NaMesa. Há anos é quem garante a qualidade de todos os produtos que chegam à mesa e é o grande parceiro no desenvolvimento e afinação de receitas.
Talvez, na passagem de 1999 para o ano 2000, época em que o número 549 da Rua Barão de Capanema tinha serviço à la carte de e bufê, ainda não fosse desse jeito. Com seu jeitinho, porém, o cozinheiro baiano ia imprimindo sua marca no D.O.M.
Seu primeiro prato a entrar no cardápio foi um atum em crosta de gergelim, acompanhado por palmito pupunha fresco e cogumelos e um molhinho de mel, limão e gengibre.
De fora do menu, a galinhada que fazia para comemorações da brigada virou atração para brigadas de restaurantes vizinhos. De tanta gente que começou a desejá-la, virou uma das baladas mais deliciosas que São Paulo já teve conhecimento – a saber, a Galinhada do Dalva e Dito, de 2011 a 2016.
Outro marco geovanístico foi o tartar de coco com lula, inspirado em suas idas à feira, toda quinta-feira, na rua do restaurante. Poderia ser só um bom storytelling, mas o chef se aperreava em ver o desperdício de cocos na barraca de água de coco e acabou negociando o ingrediente principal para sua delicada – e sustentável – criação.
Formado na prática, Geovane habituou-se primeiro a caviar do que a tucupi. Encontrou a própria vocação na lâmina da faca, na brasilidade e na chama do fogão. Conquistou a confiança incondicional do chef brasileiro de maior fama mundial. É fundamental para os 25 anos e as duas estrelas Michelin do D.O.M.