Além de ser uma das cidades históricas de Minas Gerais, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Serro também é conhecido pelas belezas naturais, onde os biomas do Cerrado e da Mata Atlântica se encontram, e pelo queijo artesanal, que coleciona uma infinidade de medalhas nacionais e internacionais. “O queijo do Serro tem uma acidez muito particular”, define a chef Elzinha Nunes, que comanda o restaurante Dona Lucinha, com unidades em Belo Horizonte (MG) e em São Paulo. Os queijos da região têm como marca registrada a “casca florida”, ou seja, com aspecto rústico e carregada de mofo, além da textura. “Também é muito cremoso por dentro”, observa a chef.
Além de nome da cidade, localizado a 325 quilômetros de Belo Horizonte (MG), Serro também é o modo como é conhecida a região queijeira, que é composta de outros nove municípios, como Alvorada de Minas, Conceição do Mato Dentro e Serra Azul de Minas. Com cerca de 800 produtores, de acordo com dados do Sebrae Minas Gerais, na região predomina o modo de fazer queijo minas artesanal, que, recentemente, foi reconhecido como Patrimônio Cultural e Imaterial da Humanidade pela Unesco. E, desde 2002, o métodos de produção do queijo da região do Serro ostentam o título de bem imaterial do Estado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/ MG). Outro título dos queijos locais é a certificação de origem, já que a região é protegida por Indicação Geográfica (IG) pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) desde 2001.
(Quase) o mesmo queijo
Títulos e reconhecimentos à parte, o que os queijos do Serro têm de tão especial? Assim como o queijo da Serra da Canastra (MG), o queijo da região do Serro é feito de leite cru, coalho, “pingo” (soro do queijo composto de bactérias lácticas, que confere identidade ao queijo) e sal. “Mas o Serro tem um tipo de mofo que só é encontrado lá. Por isso, a mesma receita pode ter um resultado completamente diferente”, explica o chef Caio Soter, que comanda o restaurante autoral Pacato, em Belo Horizonte (MG).
Em uma das etapas de seu menu degustação, que contempla os diversos aspectos do queijo minas artesanal, Soter apresenta o jiló com mofo branco, o Geotrichum candidum, que é muito comum na região do Serro. “Nós o inoculamos em água e leite. E, depois, vamos borrifando essa mistura no jiló até que ele crie um mofo branco na casca. Com isso, é possível sentir uma nota de queijo”, explica o chef do Pacato, que serve o prato na companhia de molho de mostarda e limão capeta (ou limão-cravo).
Também é possível encontrar diferenças entre os queijos produzidos de uma região para a outra do próprio Serro (MG). Além do terroir, a raça do gado e a alimentação também podem interferir - e muito - no resultado final. “Por isso é difícil traçar uma característica comum a todos os queijos produzidos na região”, justifica o empresário Rômulo Sabarense, que comanda a loja e o e-commerce Serro do Queijo, especializada nos produtos locais.
Enquanto o queijo Juá, produzido em Alvorada de Minas (MG), tem notas de cogumelo fresco, o Maria Nunes, de Santo Antônio do Itambé (MG), combina notas de estrebaria (ou de couro molhado) e sabor de creme de leite fresco - premiado com medalha de ouro na França. “Os franceses adoram essas notas”, justifica Sabarense. Outro exemplo é o queijo da Fazenda Ventura, também em Santo Antônio do Itambé (MG), que tem notas amendoadas e leve acidez. O produtor Eduardo Pires o comercializa com 30 e 60 dias de maturação. “Em cada período, tem um sabor diferente. Quanto mais maturado, mais complexo”, explica ele.
Como não poderia deixar de ser, o queijo do Serro é presença marcante na cozinha local. E surge em receitas como o fubá suado, prato típico da região à base de milho e queijo. Diferentemente do cuscuz nordestino, nessa versão a farinha de milho é cozida diretamente na panela e é finalizada com queijo. E outra receita icônica é o bolinho de rala. Obtida durante a maturação, a rala vem da casca do queijo, que os produtores ralam para acertar o formato da peça. Mais salgada, é a base da receita, que é frita por imersão. “Aqui, nós servimos o bolinho com goiabada cremosa e cachaça”, descreve a chef Simone Cardoso, do restaurante Quintal de Vó, no Serro (MG).
Valorização do queijo
O reconhecimento pela Unesco, sem dúvida, impacta a região. “Tem muito que agradecer a todos que realmente fazem com que o nosso queijo seja reconhecido. Porque a gente sabe trabalhar da porteira para dentro, mas não da porteira para fora”, conta a queijeira Nicinha Bicalho, que produz queijos ao lado do marido, Geovani Madureira Bicalho na Fazenda Córrego do Taboão, em Conceição do Mato Dentro (MG).
Para Sabarense, o reconhecimento da Unesco pode impulsionar a cadeia produtiva como um todo. “É um trabalho muito grande para produzir um queijo como esse, que tem um valor agregado mais baixo. O importante é que essa iniciativa ajude os produtores a viver com dignidade”, afirma ele.
Nascida e criada no Serro, Elzinha é uma das filhas de Maria Lúcia Clementino Nunes, a Dona Lucinha (1932 - 2019), que é considerada a grande dama da cozinha mineira. Ela, que levou a cozinha mineira para eventos e festivais no Brasil e no mundo, também levava os queijos do Serro (MG) na sua bagagem. “Uma vez, nós fizemos um jantar em Alba, na Itália. Havia uma enorme mesa de queijos da Europa e os nossos, que foram muito elogiados. Ou seja, os queijos do Serro não faz vergonha em lugar nenhum do mundo”, conta Elzinha.
Atualmente, Elzinha vive no casarão que pertenceu a sua família no centro histórico do Serro (MG). Além de museu dedicado ao legado da mãe, ela também realiza cafés coloniais e imperiais (nestes, ela resgata receitas mineiras do Brasil Império), mediante agendamento. A experiência é uma das atrações da rota turística da região, recém-lançada pelo Sebrae Minas e que reúne produtores e restaurantes da região do Serro.
O empresário, que comanda a loja e e-commerce Serro do Queijo, enxerga um mercado em potencial para o queijo local. “A região tem um potencial turístico gigantesco. É uma cidade histórica, rodeada de belezas naturais e tem o queijo, que é reconhecido internacionalmente”, diz ele. Tudo indica que os produtores locais estão com a faca e o queijo na mão.
* jornalista viajou a convite do Governo do Estado de Minas Gerais