Um italiano, em média, consome dois quilos de queijo por mês. Provavelmente, um desses quilinhos é de mozzarella, o laticínio mais consumido no país. No Brasil, não há um levantamento parecido. Mais que isso, por aqui muita gente chama de mussarela, mozarela ou mozzarella a fior di latte...
A “flor de leite”, amarelinha, leva o nome da região da Puglia que criou o queijo com leite de vaca. O original oro bianco (ouro branco), isso é, la vera mozzarella, vem da região da Campânia e leva exclusivamente leite de búfala, como na Fazenda Rio Pardo, na pequena Bocaina, a 300 quilômetros da capital paulista.
As búfalas chegaram por lá em 1981, mas só nos anos 1990, quando o queijo virou uma febre, quase sempre escoltado por rúcula e tomate seco, é que surgiu o Laticínio Búfala Almeida Prado.
Até então, Maria Cecília de Almeida Prado usava todo o leite de suas “bufalinhas” para o café da manhã, para a manteiga, a coalhada e uns queijinhos caseiros. Vez ou outra, para um arroz doce ou um doce de leite.
“Quando meus filhos nasceram, eu não conseguia amamentar e fiquei muito frustrada. Não queria dar leite de vaca porque sou alérgica e aí descobri as búfalas e comprei duas”. Na altura, ela nem sonhava em ter uma fábrica, mas a verdade é que sobrava leite.
Por sorte, o aumento das sobras coincidiu com a popularidade das bolas de mozzarella. Aqui, vale uma explicação. Para seu preparo é preciso aquecer e centrifugar o leite de búfala, criando uma massa que é “mozzada”, isso é, cortada em pedaços, ou bolas, à mão.
Na Rio Pardo, o processo é ainda artesanal, embora o corte seja quase sempre feito por máquinas de bolinhas. Para formá-las, usa-se leite A2A2 (hipoalergênico e de altíssimo valor nutricional) recém ordenhado ao som de música clássica e o talento do maestro casaro.
Como seu pai, Filipe Paulino é queijeiro desde que se entende por gente, mas foi com a autêntica mussarela que descobriu o orgulho pelo ofício: “A inspiração é o queijo napolitano, da região de Caserta. Inclusive, fui para lá, veio gente várias vezes e até o maquinário vem de lá”.
Na viagem, Filipe trabalhou em laticínios familiares, guardou consigo técnicas e paixão pelo produto: “Não foi só entender que mussarela com leite de vaca não existe, ou melhor, tem que ser chamada de fior di latte. Foi perceber a importância de estar sempre com os olhos e a mão na massa para que ela tenha o ponto certo, o frescor, a suculência. Coisas que a única máquina capaz de fazer é o homem”.
A confissão traduz o processo na Almeida Prado: leite fresquíssimo, água pelando de quente, mãos de artesão e paciência para deixar a pasta descansar. Nenhum conservante é necessário, mas o ideal é que ela chegue o mais rápido possível à mesa.
Antigamente, por exemplo, ela era consumida na hora pelos camponeses. Senão, era defumada, aumentando sua vida útil, ou gratinada sobre uma pizza ou lasanha. Hoje, bolas de 200 gramas ou tranças moldadas por Filipe vão parar em cozinhas de chefs exigentes, como Erick Jacquin e André Guidon (pizzaiolo da Leggera, presidente da Associação Verace Pizza Napoletana no Brasil e neto de queijeiros) em menos de 24 horas.
Cada mozzarella dessas é única, reúne os aromas do pasto, a força da tradição e a beleza dos gestos. Essa mesma massa láctea esticada pelas queijeiras (são apenas mulheres nessa função) do laticínio e preenchida com creme de leite e filamentos de queijo transforma-se nas burratas usadas por Alex Atala, Helena Rizzo e Salvatore Loi, também encontradas em hotéis como o Rosewood e o Fasano.
Para manter a lista de poderosos chefões, a Almeida Prado vira e mexe tem seu padrão averiguado pelo consulado da Itália em São Paulo e pela Italcam (Câmara Ítalo-Brasileira de Comércio, Indústria e Agricultura).
“Os italianos aqui no Brasil dizem que só a nossa mozarela consegue matar a saudade deles”, conta orgulhoso o mestre queijeiro que hoje consegue comandar a produção de pouco mais de 400 toneladas de mozzarella artesanal por ano.