Não queremos desmerecer os belos pães de longa fermentação natural que conquistaram as vitrines das padarias e cardápios de restaurantes mundo afora. O miolo elástico, a casca grossa e o sabor ácido dos pães já receberam a nossa atenção em outras edições. Mas nem só de demorados pain au levain vive a panificação. Ao contrário, a combinação mais antiga e simples da humanidade (água e farinha) há milênios dá origem a pães espalmados, estendidos, classificados em inglês como ‘flatbreads’, os pães chatos.
Esses pães são finos e rápidos de preparar: de curta ou nenhuma fermentação, são tão leves que não raro inflam em contato com o calor. Colocados sobre uma superfície quente, seja uma assadeira, um piso ou a parede do forno, em alta temperatura, ou até diretamente na boca do fogo, assam muito rapidamente.
Achatados, abertos com a palma da mão, podem ser macios ou crocantes, ter pouco ou nenhum miolo e, cheios de história, aparecem nos mais diferentes formatos. Base da alimentação e do ritual à mesa de muitas culturas, os pães chatos têm uma característica comum: servem de embrulho ou suporte para outros alimentos e, muitas vezes, costumam substituir os talheres. É o caso do pão sírio, do folha, do naan e da tortilha mexicana, feitos sob medida para acompanhar o homus e a coalhada seca, os curries indianos, sem esquecer das carnitas com chile mexicanas.
Origem. Os primeiros pães teriam sido elaborados no período neolítico, cerca de 10 mil anos atrás, na Antiguidade, entre os anos 8.000 a.C. e 600 d.C., na antiga Mesopotâmia, onde atualmente estão o Irã e o Iraque. Tinham o formato oval e achatado e eram feitos com grãos variados como aveia, cevada ou trigo, triturados rusticamente. Os cereais eram misturados com água, transformados em uma espécie de mingau, deixados sobre pedras onde levedavam grosseiramente e, então, eram cobertos de brasas ou assados sobre pedras quentes.
Por muito tempo, esses pães foram os únicos conhecidos pelas civilizações, até que lá pelos 3.000 a.C. os egípcios descobriram, por acaso, a fermentação, que deu origem a pães mais próximos dos que conhecemos hoje. Porém, os pães chatos ainda são a base da dieta de diferentes povos: no Oriente Médio e na Ásia há grande diversidade de formatos de pães, feitos com ou sem fermento, com algum tipo de gordura e farinha de grãos que variam conforme a região de origem.
A história do pão se confunde com a história da civilização desde o início, e dá para afirmar que todo povo tem seu pão chato. Indianos? Os mais famosos são o chapati e o naan, mas há outros. Itália? Pizza, focaccia, carta de música, piadina, só para começar... Já Israel tem uma boa variedade de pitas e pães folhas, além do matzá, como a lafa, de origem iraquiana ou lachuh, iemenita. Os chineses fazem o shaobing, os turcos têm a pide, entre outros, e os mexicanos, as tortilhas de milho ou farinha de trigo.
Esses pães são a base e o fundamento de receitas célebres como o shawarma, sanduíche em que o pão folha acomoda fatias de carne marinada, ou o de faláfel com tahine. E o que seria da pasta de berinjela, o babaganush, sem um bom pão sírio? A pizza (sim, a pizza sem sua cobertura entra na categoria dos pães chatos) é um capítulo à parte. O Brasil não tem pão chato de farinha de trigo, porém tem o beiju de tapioca, feito com mandioca, mas essa já é uma outra história.
Os chatos são divididos em duas categorias: os pães que levam fermento, caso da pizza, do naan, do pita e da focaccia; e os sem fermento, conhecidos como pães ázimos, que têm entre as mais antigas receitas a do chapati indiano, que leva apenas farinha de trigo integral, água e sal e fica pronto em 30 segundos. A tortilha mexicana e o lavash armênio também não são fermentados. Outro ázimo famoso é o matzá, indispensável na festa judaica de Pessach.
O sucesso de um chato – com ou sem fermento – depende da temperatura, que deve ser muito alta, para que o pão seja assado rapidamente. E isso significa no mínimo 350ºC. No caso da pizza, o forno deve estar a 450ºC, já a parede do tandoor (forno de barro indiano), onde é assado o naan, pode chegar a uma temperatura de 400ºC e a chapa saj, onde se assa o pão folha no Líbano, chega a 350ºC.
Além de conferir sabor à superfície, são as altas temperaturas que fazem o pão crescer, como explica Harold McGee em seu livro Cozinha e Comida. Elas fazem com que as bolsas de ar da massa se expandam por meio da rápida vaporização da água presente no pão, e é isso “o que faz o pão crescer sem necessidade de longa fermentação”.
TEM PÃO CHATO PARA TODO MUNDO
NAAN
Este pão achatado indiano é tradicionalmente assado nas laterais de um forno de barro chamado tandoor. O formato de gota característico se configura à medida que o pão estica ao ficar pendurado no forno. Como destaca Deepali Bavaskar, chef indiano do restaurante Samosa & Company, o naan (foto) tem a textura macia, é fofinho e tem mais bolhas que outros pães espalmados porque, além do fermento, leva iogurte ou leite na massa, que é sovada. Em casa, pode-se substituir o tandoor por uma frigideira bem quente.
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PÃO FOLHA
Finíssimo, é o mais delicado dos chatos, encontrado em diferentes países do Oriente Médio, com nomes e características variadas. Na região, ele é tradicionalmente assado em uma chapa convexa, conhecida como saj, e em alguns países como o Líbano ganhou o nome da chapa. Não leva fermento na sua fórmula, que mistura farinha de trigo, água, fubá e açúcar. A massa descansa por um breve período, antes de ser aberta com as mãos, em movimentos que exigem certa experiência. Por fim, é colocada em uma almofada redonda para dar formato e então vai para a chapa por poucos segundos. O pão folha é melhor quando consumido ainda quente, pois com o tempo fica borrachudo. Lavash é o nome dado ao pão folha na Armênia, e também em outros países do Cáucaso, onde é o pão do dia a dia da população, assado nas paredes do forno tandoor.
PÃO ÁRABE
É conhecido no Ocidente como pão sírio ou pita, porém em todo o Oriente Médio, Egito e Turquia é chamado de khobz, que significa pão comum, em árabe. Este pão de farinha branca, água e fermento é espalmado (aberto com a palma da mão) e macio. O centro incha e as superfícies se separam, criando um “envelope” perfeito para coalhada seca, babaganoush e homus... No Líbano e na Síria todas as refeições são acompanhadas do pão, que pode fazer as vezes de talher. Como leva fermento na sua receita este pão deve descansar por um curto período de tempo, mas no forno (de preferência de pedra) fica pronto em pouco segundos. “Todo árabe acredita que a sua receita é a correta e a mais tradicional”, diz Patricia Abbud, do Saj.
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FOCACCIA
Tem origem no norte do Mediterrâneo e na Grécia Antiga, onde era assada nas cinzas. Com o passar dos séculos, a focaccia ganhou diferentes versões e coberturas, se distanciando da original, que leva apenas azeite e sal. Apesar de ser um pão mais alto e macio (leva fermento e azeite), seu preparo é tão fácil quanto o de outros chatos, embora exija descanso para fermentar. Já a piadina, típica da Emília-Romanha, é a versão italiana do pão pita. Fininha e crocante, passa rapidamente na frigideira, antes de ser recheada. Outro chato italiano popular é o carta di musica, da Sardenha, cujo nome faz referência à textura finíssima que lembra a da folha de papel de uma partitura. Também leva azeite.
TORTILHA
Feitas de milho ou trigo, são usadas das mais diferentes formas. Assadas viram quesadilhas, enchiladas e os célebres tacos. Fritas, são chamadas de totopo e fazem as vezes de talher para pegar o guacamole ou o chilli. Não levam fermento, não precisam de descanso e podem ser abertas com as mãos ou prensas antes de serem assadas na chapa quente. Dependendo da região do México a tortilha pode ser fina (Oaxaca) ou grossa (Guadalajara). Existem versões de farinha de trigo (introduzida pelos espanhóis) que lembram as piadinas italianas. A tortilha de milho já era consumida quando os espanhóis chegaram, no século 16.