Ele ainda não tem dez serviços, mas o Tuju não anda, o Tuju desfila. Numa rua fechada e anônima do Jardim Paulistano, ele parece o sonho da reencarnação realizado: é ao mesmo tempo mais espaçoso e mais caloroso do que o antigo. A cozinha, mais nude do que empetecada, ganha as atenções na arquitetura da obra, à mesa e nas memórias que inevitavelmente virão.
Não se trata de spoiler, porque isso não se faz, mas como não falar sobre o que se passa dentro desse imóvel de três andares? Sim, ele é do chef duas estrelas Michelin Ivan Ralston que, em 2020, substituiu seu projeto original por um restaurante mais casual – pero no mucho – e que desde então matuta sobre o que era e o que deveria ser o Tuju.
Três anos depois, a sensação é de que, até aqui, tudo não passou de um ensaio. O tempo entre um e outro foi de aperfeiçoamento, pesquisa e, quiçá, ócio criativo. Que seja. De imersão em imersão, o Tuju amadureceu. Estampa no cardápio dois anos de bateção de perna por campos, bibliotecas e hortas.
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Invejosos de plantão podem se esgoelar dizendo que com tamanho investimento (foram R$ 3 milhões na obra) tudo é fácil. Que se esgoelem. O Tuju não joga na facilidade. A degustação batizada de umidade (de R$ 890 a R$ 1.410 com 10 tempos), por exemplo, é sazonal, não simplesmente primaveril.
“As pessoas se queixam que não tem mais estação, nunca tivemos estações tão marcadas quanto na Europa. Aqui tem mais a ver com chuvas e estiagens e como isso influencia os ingredientes”, explica Katerina Cordás, estudiosa e esposa de Ivan, que afinou com ele o conceito tujuístico.
Afinar é um verbo que custa caro a Ivan, formado pela Berklee College of Music, em Boston. Um baixista que prefere orquestrar com gestos contidos e cadência própria e que, enfim, sente que sua banda está mais melodiosa do que nunca.
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Sua sardinha, que já tinha dado a cara outrora, está mais reluzente, cremosa e amável do que nunca: “Eu curo com técnica judaica, que é como aprendi com a minha mãe. Uso água, vinagre, sal e especiarias”. Pode ser que o balanço entre os líquidos e os temperos tenha mudado. Certamente a companhia de abacate e batata roxa lhe caiu bem. A do vinho Alvear Tres Miradas Paraje de Ríofrío Alto 2018, cujas uvas Pedro Ximénez foram colhidas a mão, também.
A harmonização, comandada por Juliana Carani, pode seguir duas toadas: descobertas (R$ 690) e clássicos (R$ 1.500). Para a tarefa, ela tem a seu dispor quase mil rótulos, vários deles exclusivos, visto que os sócios empresários Guilherme Lemes e Luciano Koyashiki fundaram a importadora Clarets.
A sommelière tem também sensibilidade, como se nota na combinação entre o Sauvignon Blanc e Semillon da novíssima vinícola brasileira Casa Tés e a salada-taco de folhinhas, grão de bico verde e pupunha, pois na boca, não se sabe onde começa um e termina outro, tamanha a precisão.
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Harmonias à parte, tem hora que, mesmo com o trunfo de champagne de pequeno produtor, a comida insiste em solar. Vale para o chawanmushi de milho com ovas de ouriço e cogumelos. Vale para a opção a ele: a papa de mandioca, siri e amendoim.
Ok, ela - e só ela, e nenhum outro prato mais - recebe 10 gramas de caviar do Himalaia (R$ 320 de acréscimo). Nem precisaria. Ivan é o rei do amendoim, desde 2016, quando criou a inesquecível sopa de fria de amendoim e melão.
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Mais do que maestria, ao longo da degustação o chef demonstra consonância com o trabalho alavancado por sua parceira investigadora. Maritimiza o tomate que plantam em Piedade, no interior paulista, com algas e plantas como a salicórnia.
Como alternativa ao magret de pato com sua intensa farofinha com de miúdos, propõe o resgate do curraleiro pé-duro, raça bovina brasileira que sobreviveu em Goiás, onde já envelhecida e entremeada de gordura costumava deleitar apenas sábios sertanejos.
Num ton sur ton, alia essa carne a pimentão piquillo e melancia apimentada, encerra a parte salgada do banquete com um churrasco inédito, sem deixar de ser brasileiro até dizer chega, porém, com a adição de R$ 200.
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Seria justo rasgar seda para a lula que acompanha um brioche folhado obsceno e para o morango, um romeu e julieta contemporâneo, com a fruta menos cozida e requeijão de corte da fazenda Lano-Alto. Seria injusto não comentar que, depois de tudo isso, o comensal sinta-se obrigado a ficar mais um pouquinho...
No terraço do terceiro andar, sofazões convidativos abraçam e um balcão provoca com queijos e geleias brasileiros (R$ 120 a degustação). Há queijo curado, picante, azul e diferentão, coberto por mofo branco, derretendo, granuloso.
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Há goiabada, figo, laranja e castanha em calda da família do cozinheiro. Há ainda infusões naturais, como a de lavanda (R$ 10), só para garantir que se saia de lá, a hora que for, com serenidade, quiçá, sob o sereno.
Resumo da ópera, sim, a refeição pode bater os R$ 3.000 e parece sob medida para brilhar com estrelas Michelin. Contudo, o novo Tuju não é isso: é garoa em tempos de seca. Com a umidade do primeiro menu, irriga o atual cenário gastronômico paulistano.
Tuju
R. Frei Galvão, 135 - Jardim Paulistano. Ter. a sex., das 19h às 22h; sáb. das 12h às 15h e das 19h às 22h. Reservas: (11) 91899-0002