Dez dias é pouco. Ou quase nada. Mas quando se tem mais de quarenta anos de contato íntimo e um bom compilado de estudos, pode ser que 240 horas pareçam mais de duas mil. Foi mais ou menos por aí a imersão de Onildo Rocha na Mata Atlântica.
“A gente saiu de São Paulo e foi pra Pindamonhangaba, de lá para o Rio. Do Rio ao Paraná, do Paraná a Santa Catarina e terminamos na Bahia, em Ilhéus. Foi sufoco, mas foram dez dias maravilhosos”, comenta o chef.
Do maravilhamento nasceu um conceito de cardápio que, ao longo de nove meses, evidenciará a sazonalidade do principal bioma brasileiro: “É desnecessário usar caviar e foie gras, é sobre usar o que a gente tem e a gente que mantém e resgata tradições da cozinha. É colocar o ingrediente brasileiro no lugar de destaque. É essa a busca”.
Nesse sentido, Onildo valoriza a biodiversidade gigantesca (para constar, há mais de 2 mil espécies de animais e 20 mil de plantas!) e as histórias de produtores que conheceu com o próprio sotaque.
“Você precisa enfatizar o ingrediente. Que ingrediente tem em cada prato?”. Aqui, o paraibano indica os sete que o inspiraram a montar a degustação em 4, 7 ou 11 etapas (R$ 235, R$ 390 e R$ 520, respectivamente) que entra em cartaz hoje.
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Uvaia
Junto com a grumixama, a jabuticaba e o cambuci, essas frutas azedinhas que aparecem em algumas zonas dessa mata, podem ser vistas no chutney que acompanha o brioche em espiral, salpicado com a erva-mate (que, sim, nasce no mesmo bioma), temperando a ostra e aprofundando o iogurte de ovelha. De acordo com a época do ano, elas serão substituídas. Ah, aviso de spoiler: “Logo, logo a gente vai entrar com tamarindo”.
Amendoim
Essa castanhazinha tão corriqueira dá origem à receita predileta de Onildo na temporada: melão botarga. Embora não esteja no nome, é o seu leite que abraça a fruta fermentada e suaviza a salinidade da ova de tainha.
Além do amendoim, em Santa Catarina ele se deparou com “muitas nozes, inclusive o pinhão, que agora saiu da época e no Nordeste não dá, e também a macadâmia, que virou massa da tortinha da sobremesa”.
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Pesca
Sustentável, de peixes e frutos do mar endêmicos, mas também de rio. Onildo conheceu pescadores nas redondezas da Barra da Tijuca, com Gerônimo Athuel, do Ocyá, produtores de ostra no Paraná e pescador e defumador “fino” de truta em Santa Catarina.
As experiências distintas aparecem em 7 tempos: na ostra in natura, no canolo finíssimo de truta, no “espetinho” de camarão, no mini arroz de polvo, no namorado com mexilhão, sobre o melão e, pasmem, sobre a tortinha de doce de leite.
Água de Coco
Tem coqueiro margeando toda a costa desse ecossistema. Ao invés de usar o leite, como se costuma fazer em ensopados de peixe, o cozinheiro inova e usa somente a água do fruto. À vácuo, a 85°C, durante 18 horas, ela carameliza. Então, na panela, deixa-se reduzir. “Aí a gente põe um pouco de alga, para ela não turvar e ficar com uma consistência que lembra a carninha do coco verde”, explica o autor.
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Porco Preto
Não é só porque é um animal nativo e criado de forma humana na Serra da Mantiqueira, mas é pela qualidade, pelo sabor e pela delicadeza da carne. A glace do suíno dá um up na caftinha de camarão defumado e potencializa o recheio e o caldo do último principal, uma massa artesanal em forma de botão que, de forma original, faz as vezes da carne no novo cardápio.
Mel
“Em Ilheús, eles abrem o cacau, fazem uma ladeira na própria terra e forram com folha de bananeira. Aí eles vão botando os frutos abertos e um caldo grosso, com muito açúcar, vai escorrendo, por isso chama mel do cacau. É de uma finesse, um equilíbrio de acidez e dulçor...”
Como se nota, o chef caiu de amores. E, como todo apaixonado, sofre: “A gente não consegue trazer esse mel porque oxida, então, criamos um gel que vai em cima do botão e dá uma dimensão completamente nova ao prato. Mas, você nem imagina o que é na hora em que é extraído”.
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Baunilha
Pois é, a fava da orquídea de aroma mais adocicado e inebriante ocorre também em zonas de praia da Bahia. Mais: dá vida a um sorvete leve e perfumado, sublimado por um fio de azeite e chuva de sálvia.
Notiê
R. Formosa, 157, Centro Histórico. De Qua. a sáb., das 19h às 23h. Reservas: (11) 2853-0373