Quem entra no Chou não imagina que por trás do restaurante fofo, com jeito de casa, trilha sonora delícia e comidas para “compartir”, como dizem nossos hermanos argentinos, tem uma moça que foi criada literalmente na roça. Gabriela Barretto, dona do Chou e também sócia do Futuro Refeitório, viveu até os 15 anos em Descalvado, no interior de São Paulo. Morava num sítio com a família e foi ali, pra driblar o tédio de tardes sem amigos para brincar na vizinhança, que se descobriu na cozinha.
“Minha mãe assinava a revista Claudia e eu fazia as receitas da Palmirinha desde muito pequena, cozinhava o que era possível com os ingredientes locais; tinha açúcar, leite de vaca fresco, mel produzido no sítio, as frutas do pomar, os legumes e verduras da horta”, lembra. “Não tinha vendinha nem mercado perto, então improvisava mesmo”.
Ela conta que, nessa época, cozinhar era algo que nem imaginava que pudesse virar profissão. Só depois da faculdade de letras decidiu que, sim, cozinhar poderia ser um ofício. Fez Le Cordon Bleu em Paris, estagiou em restaurante de bairro e também em um três estrelas Michelin. De volta ao Brasil, passou pelo Julia Coccina, da Paola Carosella. E também viveu uma temporada na Espanha, onde aprendeu a lidar com comidas preparadas diretamente no fogo em um restaurante Basco. “Um dia um cara veio instalar uma churrasqueira no Chou e queria me ensinar como trabalhar com ela, como se fosse um trabalho exclusivamente masculino, às vezes acontece dessas...”, conta enquanto enumera algumas situações em que ser mulher fez diferença no ambiente profissional.
Gabriela é a gestora do seu próprio negócio, porém sem perder a ternura jamais. Em 2016 lançou o livro “Como cozinhar sua preguiça” (Melhoramentos), com as receitas do Chou e que fala muito sobre uma comida descomplicada. O amor pelas palavras faz com que ela tenha atitudes como apresentar a conta aos clientes dentro de um livro. Uma pessoa cuidadosa, que administra seus negócios com capricho. No dia-a-dia, dá conta de todas as etapas do processo (da orientação no preparo dos pratos à escolha da playlist do restaurante) e só vai para a cozinha em ocasiões especiais: “Hoje minha relação com a comida tem muito mais a ver com prazer próprio, cozinhar para a minha família...”, conta. “Como empresária acho que consigo desenvolver um ambiente de trabalho muito mais amoroso e inclusivo, é uma construção que faço há muito tempo, acredito não se resolve nada com grito”.
O Chou já está com 15 anos e o Futuro Refeitório, que Gabriela abriu com a irmã Karina Barretto, abriu as portas há cinco anos. O Chou tem cara de casinha. Gabriela morou lá, inclusive, no primeiro ano de funcionamento da casa. Ela havia acabado de retornar de uma temporada em Buenos Aires e o conceito do jantar a portas fechadas estava no auge. O caminho do meio foi abrir um restaurante tradicional, mas que faz com que você também se sinta em casa. Tem a sala de estar na entrada e um caminho estreito que dá para o quintal parcialmente coberto, onde ficam as mesas. No fundo, uma horta bem caseira, como um lembrete de que é preciso honrar o lugar de onde viemos.
Já o Futuro Refeitório tem como inspiração um futuro distópico, em que locações abandonadas se transformam em pequenos mundos. Foi assim que o pátio do estacionamento virou o restaurante com a cozinha aberta mais impressionante da cidade em que é possível tomar café da manhã, almoçar, jantar, trabalhar, passar para tomar um café no meio da tarde...
“Faço lugares que eu gostaria de ir, sempre penso o lugar meio pra mim”, diz Gabriela. “No fundo só queria fazer um lugar que tivesse um bom pão, um bom café, boa comida...”