Pensa num lugar eclético, onde é possível reconhecer o Brasil real em todos os seus sabores. Um espaço em que a diversidade é representada por bancas abarrotadas de doces, grãos, frutas cristalizadas... Em que queijos italianos fazem companhia a peças de requeijão baiano e queijos curados produzido nos quatro cantos das Minas Gerais.
Aqui o clima é raiz. De mercado de antigamente. Daqueles em que a gente entra e se lambuza de lembranças. A panela que a avó tinha, o biscoito nordestino que a tia servia embebido em leite no café da manhã. As peças de carne exibidas despudoradamente em suas formas originais. Alguns se assustam, outros se deslumbram com a verdade nua e crua, literalmente.
O Mercado da Lapa, fundado em 1954, é atração gastronômica e cultural que extrapola os limites de um bairro que pode ser facilmente confundido com uma cidade do interior. É um dos poucos na capital paulistana que mantém o espírito consumista do passado. Em que as pessoas buscavam preços camaradas e se mantinham fiéis a fornecedores tratados como amigos de longa data. Ainda hoje é possível passear por seus corredores caóticos, com quase 100 boxes de produtores diferentes, e encontrar, com o mesmo nívelde fartura, sorrisos amistosos e um sortimento de produtos que chega a atordoar passantes acostumados ao higienismo dos supermercados.
Onde mais, afinal, é possível encontrar em uma mesma banca uns dez tipos de bacalhau misturados a 30 cores velas (talvez para atiçar a fé de seguir em frente nesse universo de surpresas) e garrafas que vão de vinhos populares a manteiga de garrafa? Em que lugar mesmo é viável comprar tâmaras iranianas e depois colocar na sacola um bolo de rolo pernambucano? Na categoria "recordar é viver", não faltam por ali o doce de mocotó cor de rosa, os suspiros coloridos, a maria mole na caixinha com 30 unidades.
Não se assuste se, no caminho para se refrescar com uma água de coco, você for surpreendido por uma conversa aleatória qualquer. O povo da Lapa gosta de conversar, viu... E digo isso porque há quase uma década habito essas paragens. Antes de dizer que está com pressa, portanto, pare e escute o que eles têm a dizer. Porque se tem uma coisa que vale a pena nesta vida é a delícia de se reconhecer em conversas no meio do caminho. Ao contrário do Mercado Municipal e seus corredores intermináveis de bancas de frutas, no da Lapa elas são raras. O forte aqui são as carnes: de peixe, de frango, de porco, de boi, de caranguejo... E também as castanhas, os grãos, os queijos. Os preços costumam ser bem atraentes, mas não custa dar aquela negociada antes de fechar negócio.
O entorno do mercado é um universo à parte. Situado às margens da linha do trem, há todo um "ecossistema" paralelo ao redor de suas instalações que vale a pena ser explorado. Dos erveiros de plantão ao quebra queixo que costuma render suspiros de satisfação. Servir bem para servir sempre é o lema dentro e fora do mercado, que também é de alma festiva. No Ano Novo, as bancas de ervas ficam abarrotadas de gente atrás de tudo quanto é mandinga para o tradicional banho de descarrego. Pode-se dizer que o vendedor João Aurélio Rodrigues é um dos que "quebra a banca" no dia 30 de dezembro. Não sobra erva sobre erva nesse dia. Em um país que celebra com o mesmo fervor a Missa do Galo e o banho de descarrego para estrear o ano novo livre de qualquer tipo de ziquezira faz sentido...