A taça vem à mesa com uma marca de batom. Antes da reclamação do cliente, chega um aviso: a gracinha faz parte do drinque Lipstick Rose, uma das criações do bartender inglês Tony Conigliaro, que esteve em São Paulo para dar um workshop aos barmen paulistanos, um evento promovido pela vodca Cîroc.
Responsável pelo bar do Shochu Lounge, em Londres, Conigliaro é o grande expoente da chamada coquetelaria molecular, uma espécie de versão de Heston Blumenthal, celebrado chef do Fat Duck, para as bebidas. Há oito anos, ele aplica as técnicas e os equipamentos da gastronomia de vanguarda na elaboração de seus drinques, e o resultado são sabores surpreendentes e texturas criativas. Como caviar de café, espuma de uva, pipoca de cosmopolitan e até a marca de batom estampada na taça com um carimbo aromatizado de rosas e violetas.
"A maioria de minhas criações é baseada em Blade Runner, revela o barman, referindo-se ao filme de ficção científica lançado em 1982, cujo enredo se passa no ano de 2019. As idéias que não vêm do clima do filme surgem de pesquisas. Além de se inspirar em chefs como Blumenthal e Ferran Adrià, ele acompanha atentamente o trabalho dos físico-químicos Hervé This e Harold McGee. Conigliaro também já chegou a fazer um teste com drinques brasileiros - entre eles, a caipirinha e o "cuentão", como ele chama a bebida típica de festas juninas. Ele conta que levou dois anos aprimorando uma receita que batizou de Champagne nº5, um coquetel inspirado no aroma do clássico perfume Chanel nº 5, eternizado por Marlyn Monroe. "Ele estará no menu do Shochu em breve", avisa aos interessados.
Suas experiências futuristas são construídas em um quase-laboratório, que conta com seringas, termômetros para a medição da temperatura e acidez, e aparelhos
Thermomix, usados para misturar ingredientes também pouco usuais em bebidas, como ruibarbo, pó de ovo (para dar cremosidade a algumas espumas), alginato e composto de cálcio (usado por Adrià para criar pequenas esferas). Outra técnica gastronômica usada pelo barman é a cocção à vácuo. Ele combina a fruta com a bebida alcoólica, embala à vácuo e coloca para cozinhar num equipamento especial. "O cozimento é feito bem lentamente, a 52°C. A bebida fica mais pura e seu sabor, mais acentuado", conta. "Quem não tem a máquina de vácuo pode colocar a fruta dentro da garrafa da bebida e aguardar dois dias", sugere.
Na hora de montar o drinque, o bartender, que é formado em artes e em história da arte, segue um croqui. "Tenho sempre que desenhar a ordem em que os líquidos vão entrar e o copo em que ele vai ser servido." Será que o chef dos copos, então, mais desenha e projeta do que bebe? Nada disso: ele também experimenta, mas confessa que, entre suas criações, tem coisas que prefere não tomar. Como o molusco abalone. "De drinques com ostra eu gosto. Mas abalone, não".