
As vinícolas também são delas
Como única mulher nesta parceria de quatro amigos que faz o Guia dos Vinhos, acho meio inevitável que o tema da minha newsletter no mês de março seja sobre a participação feminina no mundo do vinho. Mas qual assunto explorar entre as diversas vertentes de mulheres neste setor?
O tema mais previsível seria vinhos feitos por enólogas, um tema que nem deveria chamar atenção, mas que não raro as pessoas se surpreendem ao saber o que vinho x ou y foi elaborado por uma mulher. Outro é se homens e mulheres degustam de maneira diferente. Em 2017, quando eu era responsável pelas degustações da Revista Menu, fiz uma parceria com o instituto de pesquisa Demanda para responder esta questão. Mas não conseguimos chegar a uma conclusão definitiva, mesmo com uma planilha imensa e mais de 15 degustações realizadas. De toda a tabulação, a minha conclusão nada científica é que homens e mulheres dão notas semelhantes aos vinhos, mas chegam ao seu veredito por caminhos diferentes. Como se um gênero valorizasse a potência e outro a complexidade aromática.
Mas de tudo que eu li de homenagens a participação feminina neste mercado no último dia 8 de março, a minha questão vem da pergunta de um leitor. Depois de noticiar uma pesquisa da The Drink Business, que entrevistou mulheres em posição de destaque neste setor sobre como incentivar o empreendedorismo feminino. Entre as conclusões está incentivar as vinícolas lideradas por mulheres. E o leitor me pergunta onde encontrar esta relação de propriedades que elaboram vinho e que têm mulheres como proprietárias.
Minha resposta para ele foi: vou tentar encontrar esta informação. Mas o gênero, apesar de importante na questão do empoderamento feminino, não é uma informação tão fácil assim de ser encontrada nos sites e nas associações de produtores. E há algumas dúvidas: há projetos que, mesmo liderado por mulheres, são financiados por homens, em geral pai, marido e até investidores. Neste caso, são vinícolas de propriedade das mulheres.
A gaúcha Guatambu é um exemplo: o empresário Valter Potter decidiu investir em ter um projeto de vinhos porque este era o sonho da sua filha Gabriela. E é ela quem realmente toca o projeto de 20 hectares de vinhedos na fronteira com o Uruguai. O mesmo vale para a vinícola Catena Zapata, na Argentina. Quem está a frente do projeto é Laura Catena, filha de Nicolas Catena, pioneiro em investir em melhorar a qualidade dos vinhos argentinos. Mas é um projeto que começou com um homem e, nesta geração, tem uma mulher como personagem principal. Não faltam exemplos semelhantes a estes.
Entre as mulheres que criaram sua própria vinícola, gosto da história das amigas Andreia Gentilini e da Juciane Casagrande, sócias da Amitié. No Rio Grande do Sul, elas lançaram um projeto pioneiro. Atualmente, elas escolhem uvas nas mais variadas regiões brasileiras e elaboram vinhos com muita personalidade. Não têm vinícola, mas alugam um espaço, com os seus próprios tanques e barricas na Serra Gaúcha. Só recentemente investiram em ter um espaço físico para apresentar os seus vinhos. Sabidamente, investiram primeiro em ter produtos para apresentar e o sonho de uma vinícola própria virá em breve.
Outro exemplo conhecido por aqui é da argentina Susana Balbo, que lidera uma vinícola que atualmente tem o seu nome. O projeto nasceu da parceria de Susana com o seu então marido Pedro Marchevsky e era chamado de Dominio del Plata. Com a separação, a parte de Marchevsky foi adquirida por um sócio investidor e Susana colocou o seu nome no projeto. E continua elaborando vinhos e empreendendo no país.
Fabiana Bracco: brilho à frente da vinícola Bracco Bosca
Outro bom exemplo é o da uruguaia Fabiana Bracco, que deu nova vida ao vinhedo do seu pai. Ela assumiu o vinhedo da família, ousou ao investir em variedades pouco usuais no Uruguai, como a cabernet franc, e hoje brilha à frente da vinícola Bracco Bosca. Há outras histórias, mas a lista, infelizmente, é pequena.