Bordeaux ergue a bandeira branca
Recentemente o poderoso Château Margaux, conhecido por ser o mais elegante entre os 1er. Cru Classé de Bordeaux, anunciou a produção de seu segundo vinho branco, uma alternativa mais “simples" ao Pavillon Blanc, seu principal vinho branco. Por lá cultivam apenas a sauvignon e nada de sémillon, que normalmente complementa o corte bordalês dos brancos. Para os geeks, nenhum traço de muscadelle, sauvignon gris ou outras brancas também se encontra no vinhedo de Margaux.
Apesar da superfície de sauvignon blanc representar uma pequena fração do vinhedo total, são 70 hectares de tintas e 12 hectares da branca, o movimento está alinhando com o momento atual de maior demanda por vinhos brancos. O Châteaux Margaux se dava ao luxo de vender à granel cerca de 2/3 de sua sauvignon blanc, sob argumento da excelência buscada (e manter a escassez do Pavillon Blanc - dedução minha). Parte dessa uva agora será aproveitada para o Pavillon Blanc Second Vin, que será lançado na safra 2022 com apenas 8.000 garrafas - o que significa que boa parte ainda é descartada pela empresa.
Historicamente, até a década de 1970, variedades brancas dominavam a paleta de cores dos vinhedos bordaleses. Indo um pouco mais atrás, antes da praga da filoxera (segunda metade do século XIX), Pomerol, a terra do mítico Petrus, era também terra de uvas e vinhos brancos.
Segundo a OIV, organização internacional que rege e acompanha o desempenho de vinhedos e vinhos pelo mundo, o consumo de brancos passou a dos tintos; sendo que o consumo os tintos caiu 25% entre 2004 e 2021, principalmente nos mercados europeus.
Já os vinhos brancos tiveram o consumo acelerado em 13% entre 2002 e 2021, e sua produção passou a dos tintos no ano 2013. O maior mercado global para vinho brancos é os Estados Unidos, que desde 2000 observa crescimento neste tipo de vinho.
Pesquisa da OIV sobre o consumo de vinhos por estilos (clique aqui para ler o relatório completo)
Retornando o olhar para Bordeaux, o momento é de reação. Cerca de 85% da produção de vinhos da região (como um todo) é dedicada aos tintos, e apenas 8% aos brancos. Claro que nos châteaux “Cru Classé” a crise dos tintos não é sentida, porém do outro lado do muro, e isto significa mais de 90% da produção dos vinhos de Bordeaux, o cenário é dramático. Em 2022 as vendas dos vinhos em Bordeaux ficaram 15% abaixo do volume médio produzido pela região nos últimos anos.
A solução mais drástica até agora são os subsídios oferecidos pelo governo francês para os produtores de vinho arrancarem suas videiras e destinar suas terras a outras culturas. Estima-se que em Bordeaux seja necessário arrancar 108.000 hectares de vinhedos (1 hectare equivale a um campo de futebol) e a oferta até o momento é de EUR 6 mil por hectare de vinha arrancada.
Felicity Carter, colunista de Meininger’s Wine Business International, aponta a mudança climática como um dos fatores para a projeção dos vinhos brancos. “Conforme o clima aquece e os verões se tornam mais longos - vinhos tintos mostram menor apelo”, escreveu a jornalista em sua coluna.
E no Brasil? A gangorra também parece inclinar para o lado dos brancos. E o termômetro vem de Portugal. Segundo Carla Cunha, da Comissão dos Vinhos Verdes, região conhecida pelos vinhos brancos, enquanto Portugal incrementou suas exportações ao Brasil em 12,8% em 2023 (em valor, frente ao ano anterior), o vinho da região dos Vinhos Verdes viu seus números crescerem em 33,44%, indicando que os vinhos brancos da região puxaram o crescimento dos vinhos portugueses no Brasil em 2023 (entre os três maiores exportadores de vinhos para o Brasil).
Se será uma moda de curto ou longo prazo, apenas uma tendência, transitória ou perene, só o tempo dirá. Por hora é fato que as vinícolas estão abrindo os olhos e seus tanques para os vinhos brancos.