Carnaval, festa dionisíaca!

Carnaval, festa dionisíaca!

Publicado por: Beto Gerosa Publicado: 10/02/2024 10:39 Visitas: 666 Comentários: 0

Se a cerveja, que na malandragem, colou sua imagem à alegria, à celebração do samba, do carnaval, do futebol, e ao povão, o vinho se associou no imaginário popular à sofisticação, à gastronomia, à cultura e à elite. Mas ambas, claro, são bebidas alcoólicas e com efeitos parecidos no corpo e na alma. Só que a cerveja se apropria desta mensagem descontraída. O vinho finge que nem álcool é e se veste de terno e gravata. O vinho, no entanto, tem suas raízes mitológicas ligadas a orgias, danças, festas e aos efeitos da bebida. O Carnaval, afinal, é uma festa dionisíaca. Dionísio era nada menos do que o deus das festas, do teatro, do vinho, da colheita e da fertilidade. 

As águas vão rolar,
garrafa cheia eu não quero ver sobrar,
eu passo a mão na saca, saca, saca-rolha.
E bebo até me afogar, deixa as águas rolar
.
Saca-Rolha, Zilda e José Gonçalves, 1954

Ok, você talvez conheça o personagem pelo nome de Baco. São a mesma entidade mitológica.  Baco foi o nome dado pela tradição romana a Dionisio. Assim como o vinho, teve origem no Oriente e dominou toda a Grécia, chegando a ser colocado no Olimpo com a mesma pompa e dignidade de outros deuses de culto oficial. Filho de pai divino (Júpiter) e mãe mortal (Sêmele) – algo parecido com o Dr Spock, filho de pai Vulcano com mãe terráquea - não era aceito assim muito fácil como Deus legítimo ou puro-sangue.

Certo dia, passeando pelo vale, casualmente deparou com uma fruta desconhecida: a uva. Mais importante, descobriu que dela podia fazer vinho. Em um lampejo que mudou o rumo da humanidade percebeu os efeitos da bebida e decidiu utilizá-la para impor sua divindade. A partir daí empreendeu viagens pelo mundo para divulgar a boa nova.

Chegou a turma do funil
Todo mundo bebe mas ninguém dorme no ponto
Hahaha
Mas ninguém dorme no ponto
Nós é que bebemos e eles que ficam tontos!

Turma do Funil, Mirabeau, Milton de Oliveira e Urgel de Castro, 1956 (adaptação Chico Buarque e Tom Jobim)

Dionisio viajava pela Grécia propiciando aos devotos alegria e felicidade. Era através do vinho, que Dionísio (ou Baco, na foto, como preferir) não deixava faltar, que todas as preocupações abandonavam os corações humanos. O medo esvanecia. A coragem redobrava. A vida ganhava maior esplendor. A embriaguez não produzia apenas prazer e esperança, mas também selvageria e loucura. Atire a primeira rolha quem nunca teve sensações semelhantes após alguns tragos...

Eu bebo sim
Estou vivendo [Bebida não faz mal a ninguém]
Tem gente que não bebe
E está morrendo
Eu bebo, sim

Eu Bebo Sim, João do Violão e Luiz Antonio, 1973

Estas celebrações não eram iguais em todas as regiões onde se cultuava Baco/Dionísio. Não, você não está já sob efeito do álcool e vendo dobrado, são o mesmo Deus, lembra? Dois elementos, porém, eram comuns: o caráter orgiástico – interpretado como um sentimento de plenitude de vida, de renovação da natureza, de alegria e promessas de fartas colheitas – e a presença de mulheres, que tomadas de delírio, representavam o papel das primitivas Mênades – ninfas seguidoras e adoradoras do culto de Dionisio.

No início da primavera realizavam-se as Antesterias, festas nas quais se provava a nova safra do vinho. Duravam vários dias e delas participavam adultos e crianças, senhores e escravos. E aqui de novo o passado e presente se tocam, quando as diferenças sociais são borradas tanto durante o curto período das Antesterias gregas como do Carnaval tupiniquim.

 

 

Eu bebo sem compromisso
Com meu dinheiro, ninguém tem nada com isso
Aonde houver garrafa, aonde houver barril
Presente está a turma do funil

Turma do Funil, Mirabeau, Milton de Oliveira e Urgel de Castro, 1956 (adaptação Chico Buarque e Tom Jobim)

Em honra a Dionisio e Ariadne (esposa de Dionisio), celebravam-se as Oscoforias, festas da colheita. Fazia parte das comemorações uma corrida a pé, cujo vencedor recebia como prêmio uma bebida feita de vinho e mel. Bem mais proveitoso, vamos combinar, que receber uma taça vazia. Após a corrida, adolescentes com vestes femininas (mais carnavalesco, impossível), transportavam ramos de videira cheio de uvas maduras. E ninguém discutia se a questão de gênero e identidade estava destruindo a família greco-romana. Outras festas importantes eram as Grandes Dionisíacas, realizadas no verão, em quase toda a Grécia, estas mais ligadas ao teatro. Dionísio também era Deus dos palcos, não custa lembrar.  Durantes estas comemorações os habitantes das localidades agrícolas usavam   máscaras representando cenas míticas da vida de Dionísio.

Dionísio seguiu um roteiro de viagem pela África e Ásia, sempre acompanhado das Mênades e dos Sátiros – divindades com o corpo em dúvida se era um bode com uma metade humana ou um humano dividido em um corpo de bode. O mesmo que fauno na mitologia romana. Por todo canto que passou, Dionisio ensinou aos habitantes do lugar o trato da videira e as receitas do vinho. Ou seja, era uma espécie primitiva de enólogo-consultor. E ainda seguindo os passos da mitologia, o responsável pelo vinho ter se espalhado pelo mundo. Dez nota Dez para Dionisio/Baco.

 

Se as origens do Carnaval remetem à mitologia grega e a mistura do Brasil com a Grécia ao Deus do Vinho, que tal ser esta uma das bebidas da sua folia? Nas ruas, nos blocos, em casa mesmo. Mas se as marchinhas e sambas sugerem “Eu bebo sim, até me afogar e sem compromisso”, vai aqui um conselho também de Carnaval de um baiano em forma de timbalada, que assinamos embaixo. Entre um copo e outro de vinho:

Olha, olha, olha, olha a água mineral
Água mineral
Água mineral
Água mineral
Do Candeal
Você vai ficar legal

Água Mineral, Carlinhos Brown, 1996

Fonte: Mitologia, Abril Cultural

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