Decifra-me este vinhedo ou...
A Borgonha é a região vinícola que melhor conhece o seu próprio terroir. Por séculos, começando ainda na Idade Média, monges cistercienses observavam, anotavam e estudavam o comportamento das videiras e de seus frutos durante todo o seu ciclo. Foi assim que chegaram à conclusão de que a pinot noir era a melhor variedade local, em detrimento da gamay.
Este estudo tão aprofundado é referência até os dias atuais, quando não há tempo, nem monges, para interpretar o terroir moderno. Atualmente, o conhecimento do conjunto entre microclima, solo e variedade plantada, que pode ser traduzido como terroir, vem de estudos mais aprofundados. Claro que a observação das vinhas segue como norte, só que agora é aliada a estudos científicos e ao conhecimento do que as características do solo podem trazer aos vinhedos.
Neste caminho, a Argentina vem se mostrando um país que investe muito em entender o que o clima (mesmo em mudança) e as características de cada parcela de solo podem trazer para o vinho. Há vários exemplos de projetos nesta proposta, a começar pelo Instituto Catena, da vinícola de mesmo nome.
Outro bom exemplo vem da vinícola Zuccardi, liderada pelo intrépido Sebastián Zuccardi, da terceira geração da família ligada ao vinho, e por aqui importados pela Grand Cru. Entusiasta como poucos, ele passou por São Paulo para mostrar como decifrou o terroir de Paraje Altamira, região do vale do Uco, no sul de Mendoza, onde tem muitos dos seus vinhedos, e onde escolheu erguer a sua vinícola, batizada de Piedra Infinita. A primeira observação do local, com pedras por todos os lados, explica o nome até poético escolhido para o projeto e para o rótulo premium que nasce em seus vinhedos.
A malbec é a principal variedade cultivada. Mas é o conhecimento do subsolo que define qual o destino de cada parcela de malbec. Este conhecimento começa com a observação do comportamento da uva e de suas folhas, e continua com as calicatas, como são chamados os buracos escavados no vinhedo que permitem conhecer o subsolo e, a partir de suas características (areia, pedra pequena, pedra grande, argila etc) entender qual o seu potencial para resultar em vinho de qualidade.
Em um conhecimento que talvez os monges desconhecessem, Zuccardi sabe que aqueles subsolos que têm uma camada de areia ou argila logo na superfície vão resultar em vinhos mais frutados, assim como aqueles que tem mais pedras próximas à superfície terão maior tensão – as pedras locais são envolvidas de carbonato de cálcio, em um sobsolo que as raízes da malbec adoram.
O mapa de solo dos vinhedos de Piedra Infinita
Para decifrar os 38 hectares do vinhedo Piedra Infinita, por exemplo, foram feitas 500 calicatas. Como consequência, o terreno foi dividido em 46 parcelas diferentes, pelas características de seu subsolo. Os estudos mostraram nove solos diversos, conforme as camadas de areia e argila e os tamanhos das pedras, se pequenas, médias ou grandes. Atualmente, Zuccardi sabe as características de cada parcela. E pensa até em deixar algumas áreas com a vegetação nativa, por saber que aquela parcela específica não corresponderá a nenhum vinho de qualidade.