As mulheres no Guia dos Vinhos
Dos 561 vinhos degustados para a primeira edição deste Guia dos Vinhos, pelo menos 30 deles são elaborados por mulheres, da portuguesa Sónia Martins, do Pedra Cancela, no Dão (92 pontos no guia), à jovem Pámela Avilés, da chilena Sutil (88 pontos). Se incluirmos também as donas das vinícolas, a relação supera as 35 profissionais, como Alexandra Marnier Lapostolle, francesa com vinhedos no Chile, ou Jane Hunter, da casa australiana que leve seu sobrenome.
O número é pequeno, com certeza, menos de 10% do total degustado às cegas. A objetividade do número mostra que o mundo do vinho, ao menos na sua elaboração, ainda é muito masculino.
A subjetividade de uma pesquisa informal também chega a mesma conclusão, com os homens se destacando neste mercado de trabalho, não apenas na enologia, mas em todo o setor.
Suzana Balbo: referência entre as donas de vinícolas na Argentina
Mas é possível ver o copo (ou seria a taça?) meio cheio. Pouco menos de vinte anos atrás, apenas duas mulheres lideravam vinícolas na América do Sul. A argentina Susana Balbo, então apenas uma enóloga especialista na variedade torrontés, no norte do país, e atualmente uma referência entre as donas de vinícola em seu país (é dela o Crios Malbec, 91 pontos no guia); e a chilena Cecília Torres, que fez fama com o tinto Casa Real, da vinícola Santa Rita (aqui, o vinho supera a faixa de R$ 300 e por isso não está no guia) e atualmente toca projetos pontuais em seu país.
No cenário atual, há mulheres profissionais de todos os 18 países presentes neste guia.
De Margareth River, na Austrália, por exemplo, Virginia Willcock é a enóloga que elabora o Vasse Felix Classic Dry White 2019, que recebeu 92 pontos, na publicação. O espanhol Protos Aire de Protos 2020, um corte de albillo, garnacha, tempranillo e verdejo, nasce pelas mãos de Marilena Bonilla (91 pontos). Do Uruguai, a elaboração do Familia Deicas Atlantico Sur Reserve Albariño 2022 (91 pontos no guia) é de responsabilidade da enóloga Adriana Gutierrez.
Os exemplos mostram um crescimento na quantidade de mulheres trabalhando duro nas vinícolas, em um papel que antes de limitava às áreas de marketing e às funções mais burocráticas. No passado, uma das razões utilizadas para explicar as razões da baixa participação feminina estava na dureza do trabalho no vinhedo. Mas esse argumento entra em contradição quando muitas vinícolas declaram preferir mulheres para colher uva (um dos trabalhos mais cansativos de todo o ciclo da vinha). E preferem porque elas são mais delicadas no trato da uva e mais focadas em selecionar os cachos, ou seja, fazem chegar na vinícola um produto de maior qualidade.
A quantidade de mulheres poderia ser maior, é certo. Na pesquisa para descobrir, entre todos os vinhos degustados pelo guia, quais foram elaborados por enólogas, muitos produtores informaram que havia mulheres na equipe, mas que elas não tinham posição de chefia.
Atualmente esse parece ser um gargalo na profissão. As mulheres sobem na hierarquia da vinícola até um certo estágio e depois são preteridas, seja por questão de gênero ou por outros motivos.
Mas essa é uma outra discussão, que fica para um outro momento, assim como aquela de se os vinhos feitos por mulheres são melhores (ou, ao menos, diferentes) do que os elaborados por homens.