Vai um cabernet sauvignon aí?
A cabernet sauvignon é o viral do vinho. É primeira casta vinífera mais plantada no mundo segundo a OIV (Organization of Vine and Wine). Portanto deve ser a varietal de vinho tinto mais consumida do planeta. A título de curiosidade a variedade mais cultivada atende pelo nome de kyoho, uma uva de mesa que enche os campos da China, onde mais? Mas nosso papo aqui, por enquanto, são as uvas viníferas, por mais que apareçam novidades de uvas de mesa com pedigree ou macerações de uvaia, jabuticaba, acaí, camu-camu e por aí vai.
Originária da região de Bordeaux, no sudoeste da França, é a bela analogia de como a miscigenação é um ativo fundamental da civilização. A cepa é resultado do cruzamento da uva branca sauvignon blanc e a tinta cabernet franc. Tem amadurecimento tardio e produz tintos secos de médio corpo a encorpados; tânico quando jovem, garante um melhor envelhecimento da bebida na garrafa e a passagem pelo barril de carvalho pode aparar suas arestas.
Tem um amplo espectro de aromas: frutas vermelhas, negras, café, chocolate geléia e tabaco e terrosos, quando envelhecidos. No Chile apresenta uma característica mais mentolada. Na Austrália geralmente é mesclado ao shiraz. Na Itália usada no blend dos Supertoscanos. E em Bordeaux, no seu berçário original, é base do corte usado nos grandes vinhos, onde se mistura com a merlot, cabernet franc, petit verdot ou malbec. Produz os tintos mais premiados do Chile, Estados Unidos, França e tem boa presença no Sul do Brasil.
Mas se a cabernet sauvignon tem um público cativo e uma produção tão ampla por que um certo pudor em reverenciar a uva mestre-jedi dos solos planetários? Parte dos especialistas e da crítica cultiva um certo desdém à uva que é sinônimo de vinho. Se aparece um aglianico (uva do sul da Itália), por exemplo, na taça em certo frêmito domina o ambiente. Aí vem um cabernet sauvignon bem feito, com camadas de aromas e sabores, e o sujeito faz um muxoxo. “Ah, um cabernet”.
O produtor Angelo Gaja costumava, anos atrás, fazer um paralelo entre a cabernet sauvignon, o astro de faroeste americano John Wayne e a nebbiolo e o ator italiano Marcello Mastroianni. Segundo Gaja, a cabernet, assim como John Wayne, tomava conta de um ambiente, era o centro das atenções, ou seja, um blockbuster; já a nebbiolo tinha um perfil mais próximo de Mastroianni, ficava ali de lado, sem fazer alarde e conquistava pelo charme, pela profundidade, algo mais próximo de um Fellini.
Talvez esta tese explique o fenômeno. A cabernet domina o mercado e o gosto do consumidor comum. Já aqueles com muita litragem de vinho e que bebem rótulos diferentes estão sempre em busca de um desafio, de uma variedade curiosa e não conseguem dar a devida atenção ao clássico bem feito da cabernet sauvignon.
Claro, quando a cabernet é um ícone, um top de linha, os narizes e paladares mais refinados fazem a devida reverência. Um cabernet sauvignon de 100 pontos do Parker (ah, mas o Parker...), alguém vai desdenhar? Um exemplo, apenas. Obra do enólogo, produtor e consultor Paul Hobbs, o Cabernet Sauvignon Beckstoffer Dr Crane Vineyard 2014. O vinho é produto do filé mignon dos vinhedos americanos, a região do Napa Valley. No caso, um vinhedo único de Paul Hobbs.
Paul Hobbs fala enquanto seu cabernet sauvignon de 100 pontos decanta
“Para mim, a cabernet sauvignon é a uva mais interessante ”, sustenta Paul Hobbs
O estágio em carvalho (novo, francês) é de 20 meses, sem que ele sobressaia no vinho, mas afine o caldo. É, minha gente, barrica não é crime se bem utilizada. Trata-se de um cabernet sauvignon potente, cheio de nuances e envolvente, que fica na memória, como um rock clássico, daqueles que marca um momento de nossas vidas. Do punho do próprio Parker (ah, mas o Parker...), há a seguinte declaração sobre o rótulo: “É o meu favorito neste grupo, e tem o potencial de se tornar um vinho perfeito”.
Outro defensor da uva, Germán Lyon, é o enólogo da tradicional vinícola chilena Pérez Cruz desde 2001.
“Não podemos deixar de valorizar o cabernet sauvignon, que é um símbolo do Chile”, defende Germán
Afinal é o vinho que melhor representa o potencial do país de produzir clássicos instantâneos e manter ícones no pedestal. São eles que elevam a imagem do vinho chileno e com isso alavancam a venda dos rótulos mais simples; vamos combinar às vezes simples demais. No Chile a região do Alto Maipo é onde a variedade tem seu maior potencial.
No Guia dos Vinhos a cabernet sauvignon mereceu seu devido espaço entre as garrafas avaliadas, sempre às cegas. Foram 74 rótulos de tintos que levavam a uva na sua composição. Seja na forma de varietal (vinho elaborado por apenas uma variedade de uva) ou mesmo como parte do blend (uma mistura de mais uvas) do rótulo. São onze vinhos puro-sangue cabernet sauvignon com boa pontuação. O Chile, confirmando sua vocação, aparece em cinco rótulos, a Argentina, provando que nem só de malbec vive o país, com outros quatro. Brasil, com um belo custo-benefício e a Austrália completam o ranking de 91 a 93 pontos. Destacamos abaixo três das garrafas mais bem pontuadas, dos mais variados preços.