Vinho de guarda: prós e contras

Vinho de guarda: prós e contras

Publicado por: Beto Gerosa Publicado: 14/04/2024 18:00 Visitas: 1063 Comentários: 0

Quantas vezes você já leu recomendações sobre o potencial de guarda de um determinado rótulo, e quantas vezes de fato você esqueceu o vinho na adega aguardando o seu ápice ideal? Esta é uma discussão que na verdade interessa a pouca gente, até porque a maioria dos vinhos é elaborada para beber no ano de lançamento. Como ensinam todos os manuais de autoajuda de vinho, nem todos os rótulos devem seguir o sábio ensinamento do teatrólogo Nelson Rodrigues, quando perguntado qual conselho daria aos jovens: “Envelheçam!”, ele recomendava! 90% ou mais dos vinhos devem ser bebidos jovens mesmo. E são melhores assim.

Muitas vezes um vinho de maior calibre vem acompanhado por um teórico apogeu: abrir em dez, vinte anos. Esta curva de evolução pode parecer muito acadêmica – e é -, mas para os enólogos, sommeliers e especialistas é a prova dos noves para um vinho mostrar o seu valor. Para as marcas é quase como um marketing reverso – buscando o valor do futuro para vender o presente.

    Esta necessidade de guarda de determinados vinhos fazia até um certo sentido décadas atrás. Alguns vinhos de fato não estavam prontos para beber no lançamento da safra, mas a paciência e a espera podiam render néctares na garrafa tempos depois, e estragar o paladar se consumidos antes da hora. Hoje esta não é uma realidade no mercado. Houve uma evolução no campo, na tecnologia e no perfil dos consumidores. 

Quem é que guarda uma garrafa de vinho por dez ou vinte anos na adega ou no armário da cozinha? 

Goste-se ou não, até o vinho se rendeu à velocidade dos tempos das redes sociais. Ele está mais para um instantâneo do Tik-tok do que para verbete impresso de uma enciclopédia britânica.

Alguns esnobes ainda classificam de infanticídio abrir determinados tintos de grife das regiões de Bordeaux, Borgonha ou Barolos ou Brunellos di Montalcino – para ficar apenas nos ícones da França e Itália -, mantendo o mito de que apenas a evolução mostra de fato as melhores características destes vinhos. É sim, mas também é não. Perguntem aos produtores se seus consumidores atuais de maior poder aquisitivo esperam todo este tempo para molhar a garganta.

Os xiitas da evolução quando defendem a paciência como uma virtude para estes vinhos esquecem de acrescentar o risco da senilidade, do declínio após tanto tempo em garrafa. O que acontece com certa frequência, mas nem sempre é admitido em público. Por exemplo, dizer que determinado vinho de safra muito antiga está vivo, como sinônimo de qualidade, equivale ao comentário infeliz “você até que está bem para sua idade!”, né não?

Ninguém aqui é contra o envelhecimento em garrafa, mas o contraponto também é saudável.  Tanto é que até aqui neste Guia dos Vinhos os quatro autores arriscaram apontar cinco tintos com potencial de guarda. Foram dois argentinos (Dante Robino Gran Dante Malbec 2019 Domingo Molina Malbec 2018); dois brasileiros (ora vejam só: Era dos Ventos Teroldogo 2020Uvva Diamã 2020) e um francês (Château Pavie Esprit de Pavie 2015). Sendo este o mais antigo, já quase completando uma década quando foi avaliado. Também apreciamos a evolução e apostamos nela, como se pode notar. Sempre acompanhada do verbo intransitivo “depende”.

   

Cabernet franc da Serra Gaúcha de 1951: bebendo história

Recentemente este colunista teve a oportunidade de provar uma garrafa de vinho nacional de 1951. Tratava-se de um tannat da Sociedade Vinícola Rio Grandense. Provavelmente umas das safras mais antigas de vinho nacional disponível no mercado. Pode ser adquirido por 670,00 reais na internet. A preservação se deve à descoberta de várias garrafas enterradas há mais de 25 anos. Esta é a narrativa, pelo menos. Há uma expectativa, um ritual de abertura e enfim a prova do vinho, que mais do que um prazer sensorial, gera um respeito histórico. Imaginar que há 73 anos um produtor estava elaborando, na Serra Gaúcha, um vinho que sobreviveu a várias gerações. Neste ponto da curva o caldo tem notas pra lá de evoluídas, diluído em boca. Pode-se apelar para o jargão de que está vivo, com todos os seus significados. Mas eu diria que sobrevivendo por aparelho.

Guardar ou não guardar? Eis a evolução

O lado acadêmico e a experiência dizem que sim. O envelhecimento, na realidade, é uma troca, um pacto entre o consumidor e o vinho. Ganha-se algumas coisas e perdem-se outras. 

A maioria dos grandes vinhos melhoraram com o passar dos anos (ou os anos melhoram com o passar dos vinhos, como se diz por aí). 

Os vinhos com capacidade de guarda, mesmo os do novo mundo, podem até perder a exuberância da fruta com o tempo na garrafa, mas os taninos se amaciam e o conjunto fica mais equilibrado e harmonioso, a madeira se integra mais à bebida. Surgem neste estágio aromas e sabores deliciosos, que não faziam parte da palheta de seus primeiros anos de vida, tornando o vinho mais complexo e fascinante. Os taninos se transformam, ficam mais domados, com uma redução significativa da adstringência. Os tintos ficam mais claros, os brancos escuros.

O segredo é melhorar as características aromáticas e gustativas do vinho e não o transformar em outra coisa. Patricio Tapia, crítico e coordenador do Guia Descorchados, resumiu anos atrás, em uma degustação de vinhos ícones chilenos de safras antigas, o que considerava uma boa guarda de vinhos daquela amostra: 

“Quanto melhor o vinho evoluir sua fruta, modificando-se sem perder a presença, melhor o vinho chileno passará pelo teste do tempo.”

Mas o lado prático diz “depende”. Guardar vinhos para beber lá na frente é visão otimista da vida (o vinho precisa se manter vivo, mas você também...). Há o risco do tempo – pois existe um auge teórico, o Everest da curva de evolução do vinho, em que boa parte da fruta permanece viva e praticamente toda a complexidade do envelhecimento se mostra. Mas existe o tombo do Everest também. Outro risco? A garrafa pode sofrer alguma avaria, a rolha deteriorar e o caldo virar vinagre.

Por fim, há o fato de que você precisa apreciar as mudanças que o tempo provoca no vinho. O que pode provocar a seguinte digressão: “Mas este não é o vinho que eu conheço e aprecio. Malditos críticos que me convenceram esperar tantos anos!”

Portanto se você provar uma safra antiga de seu rótulo predileto, e não curtir, não se envergonhe do seu paladar. Mas se ao ser apresentado a uma garrafa guardada há mais tempo e os aromas mais terrosos, terciários, a madeira menos presente, aquela cor mais clara e os taninos mais amaciados evocarem sorrisos e prazer na bebida, talvez você tenha encontrado o seu tipo de vinho, uma avenida de oportunidades aromáticas e gustativas que apenas a idade é capaz de proporcionar ao fermentado de uva.

Como provar vinhos de guarda?

A maneira mais rápida de começar a provar vinhos de guarda, e checar se esta é sua praia, é comparar duas ou mais garrafas de safras diferentes. Existe um nome para isso: degustação vertical. A outra é provar os rótulos mais antigos encontrados no mercado.  Em duas faixas de preço possíveis -os de preço médio e aqueles ícones que a gente vê nas enciclopédias – o Guia dos Vinhos propõe duas estratégias.

Vinhos de preço médio

Talvez pelo excesso de estoque, muitas importadoras e lojas acabam desovando garrafas de vinhos de média gama de safras um pouco mais antigas em suas promoções. Atualmente não é raro encontrar vinhos de safras a partir de 2014 (dez anos de garrafa) à venda. Alguns se revelam ótimas surpresas, em especial alguns cabernets sauvignon, carignan e blends bordaleses chilenos. Os pinot noir sul-americanos, no geral, já são mais arriscados nesta aposta no tempo. Dos brancos, apenas um chardonnay um tanto mais antigo vale o risco. Rótulos portugueses do Douro e do Dão também são uma alternativa com potencial de sucesso e prazer na taça. Muitos brasileiros podem surpreender também. Esta seleção dá para bancar na pessoa física. E começar a brincadeira.

Vinhos de alta gama

Nesta faixa de preço é preciso investir uma certa grana: safras mais antigas de vinhos de excelência são disputadas, difíceis de encontrar e pesam no bolso. O jeito é encontrar um amigo rico que possa proporcionar esta brincadeira, ou reunir colegas que topem rachar o valor da garrafa com grife e provar em grupo.  Mas sempre há a chance de um incauto sem conhecimento aparecer com um Chadwick, um Château Margaux, um Barbaresco Gaja, um Vega-Sicilia com um bom passado nas costas e propor: “Achei estas garrafas antigas no fundo da adega do meu tio que morreu recentemente. Será que presta?” Aí você se mostra incrédulo e propõe: “Vamos arriscar e experimentar!”. Pode ser o início de uma grande amizade...

   

Sour Grapes: documentário sobre o falsário Rudy Kurniawan

Fraude

Mas, atenção, há aquele risco de sempre. A procedência. A garantia de que o rótulo de safra antiga ou histórica vendido com pompa, circunstância e alto valor agregado não é falsificado. Há o famoso caso do estelionatário natural da Indonésia Rudy Kurniawan que vendeu garrafas falsificadas de safras antigas entre 2004 e 2012, sendo que 12.000 apenas em um leilão de vinhos finos em 2006. O método dele? Misturar safras novas a vehas e vender pelo RG mais antigo. E por um preço maior também. Quem quiser conhecer toda história há um ótimo documentário da Netflix: Sour Grapes. O mais incrível é que depois de julgado, preso e solto, ele voltou à cena do vinho. O falsário conduz palestras onde repete para o público seu método e ainda coloca em escrutínio seu blend falso versus o original. Não é surpresa que muitas vezes seu “vinho” é o preferido do público. O que nos leva a outro patamar da discussão da percepção das safras antigas ou mesmo de rótulos icônicos. Ao contrário do jogo do bicho, nem sempre vale o que está escrito. No rótulo. 

     
   

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