Abaixo a ditadura do bacalhau
Cristão ou não, a tradição de comer bacalhau na Páscoa se tornou um caminho unidimensional. Neste sentido nos ajuda a influência portuguesa e a fartura do pescado (de origem norueguesa) no mercado brasileiro. Na cultura francesa, por exemplo, o pernil de cordeiro é o ingrediente mais popular da mesa pascualina, enquanto na Argentina a torta pascualina é uma das protagonistas (torta com ricota, espinafre e ovos). Nos Estados Unidos há o presunto assado, no Chipre a Souvla (espeto de cordeiro assado) e na Jamaica o Escovitch, peixe frito e depois escabechado, servido com o bammy (pão parecido com a nossa tapioca). Enfim, aos que não possuem uma relação muito amigável com o pesado salgado e curado, mas não pretende abrir mão dos pescados da mesa da Páscoa, apontamos os caminhos viníferos para vasculhar na sua adega ou na gôndola do mercado.
Sabor suave
Para os peixes de carne branca e sabor suave como robalo, pargo, tilápia/st-peter ou pescada (vale a mesma lógica para vieiras e ostras), o caminho mais fácil são vinhos brancos, sem excessos, de fruta, madeira ou álcool. Em vez, aposte no efeito “limão” do vinho, isto é, tons cítricos e boa acidez são critérios-chave para não errar. Referências mineiras nos brancos também podem enriquecer a experiência, caso do arinto Mar do Inferno 2021. Nas expressões cítricas e sem erro, provamos e aprovamos o Concha y Toro Reserva Sauvignon Blanc 2022 e a revelação brasileira Uvva Sauvignon Blanc 2020. Um capítulo à parte é a sardinha, que apesar do sabor potente, sua gordura pede por estes brancos refrescantes e cítricos para equilibrar; um dos casos que vale a pena jogar com o contraste entre prato e vinho
Sabor intenso
No capítulo dos peixes de carne branca e sabor intenso (anchova, garoupa, pirarucu, tambaqui, sororoca, carapau) vale buscar por brancos mais encorpados e firmes. E os brancos acima citados seguramente não ficarão ruins, mas terão suas expressões ofuscadas pelo sabor dos pescados. Entre os brancos com boa estrutura mas sem perder a vocação gastronômica, provamos o argentino Dante Robino Legado Blend de Blancas 2022 e o catalão Perelada Només Garnatxa Blanca 2021. Estes pescados também costumam aparecer em receitas com manteiga, creme ou caldos encorpados, como moqueca e pirão. Neste caso aceitam bem a presença da madeira ou de maceração com as cascas (estilo dos vinhos laranjas) nos vinhos brancos. Uma boa solução nesta tipicidade é o Tariquet Réserve branco 2019, que estagia seis meses em barricas de carvalho francês. Os critérios e recomendações desta categoria valem também a lula.
Sabor mais intenso ainda
E existe a categoria dos pescados que quase se comportam como carnes vermelhas na combinação com os vinhos. Peixes como atum, bonito, salmão, truta e frutos do mar como camarão e polvo pedem boa personalidade na taça. Vinhos rosados representam uma solução segura e democrática, estilo engarrafado no clássico chileno Montes Cherub 2022. Se prefere manter a linha dos vinhos brancos, o Alvear 3 Miradas 2020 tem força e intensidade suficiente, quase como um Jerez Fino, para não se intimidar diante da textura e sabor destes pescados. Para os mais ousados há a possibilidade de trazer os tintos à mesa, o segredo é evitar os taninos (que tendem a metalizar na boca), casos do pinot noir brasileiro e apto aos veganos, Miolo Single Vineyard Pinot Noir 2021 e do espanhol e (produzido com práticas biodinâmicas) Michelini i Muffatto En El Camino 2019.
Agora não será mais pelos vinhos que ficaremos reféns do bacalhau. Boa Páscoa!