Uma chance ao desconhecido
Se por uma lado existem regiões, variedades e expressões clássicas, o contraponto seria o exotismo. Tradicionalistas e bebedores de toscanos, cortes bordaleses e torcedores bourguignons imagino que já torcem o nariz para a afirmação acima. Porém há um amplo abânico de opções, que nos tiram um pouco deste eixo ou arquitetura tradicional, provando que há dinâmica no mundo do vinho sem distorcer o conceito de qualidade.
Mudas de variedades ancestrais da vinícola chilena Santa Carolina em Cauquenes, no Vale do Maule
E, claro, existe o fator moda. Difícil imaginar que no ápice do movimento ABC (anything but chardonnay), a partir da segunda metade da década de 1990, não se produziam bons exemplares desse varietal na Califórnia. Como contraponto, em 1994, pela primeira na história a chardonnay se tornou o varietal mais vendido naquele estado. Ou que após o lançamento do filme Sideways (2004), a merlot tenha perdido seu encanto e seus vinhos se transformaram em líquidos medíocres em um estalo de dedos.
Então calma, não há nenhuma crise ou desencanto com toscanos, bordaleses ou borgonheses, eles continuam muito bem e agradecem as boas vendas, mas vale olhar além destas bolhas, não apenas porque o preço pedido por regiões e variedades ainda por serem descobertas seja vantajoso, mas também e principalmente porque há qualidade e personalidade que merecem ser conhecidas (e depois não se arrepender se os preços aumentarem).
Nas estatísticas da OIV (Organização Internacional da Uva e do Vinho, órgão que rege a produção global), são mais de 6,5 milhões de hectares de vinhedos cultivados no mundo, dos quais quase um terço estão concentradas em apenas 10 variedades, onde a cabernet sauvignon é a número 1. Como parâmetro, o livro de Jancis Robinson, Julia Harding e José Vouillamoz, Wine Grapes, lista pouco mais de 1.300 variedades viníferas cultivadas em escala comercial. Portanto fácil notar que existe um amplo horizonte a ser explorado.
Como reza o meme, agora é o momento dos humilhados serem exaltados. Devemos dar um crédito à geração Z. Em um artigo da BBC sobre os hábitos de consumo desta geração (nascidos entre 1995 e 2010), os jovens são descritos como exploradores, entusiastas e experimentadores. Ao mesmo tempo valorizam produtos com menor intervenção ambiental, sustentáveis, o que nos traz de volta para o tema do vinho.
Hoje há um consenso que muitos vinhedos no mundo serão inviáveis em um futuro próximo, principalmente pelo efeito das mudanças climáticas (não apenas o calor). Um dos caminhos para atenuar as consequências do clima é apostar em variedades que sejam nativas de cada zona, teoricamente melhores adaptadas àquelas condições climáticas, ainda que com pequenas alterações.
Um tanto darwinista, é verdade, mas quando olhamos para o programa da catalã Miguel Torres para recuperar antigas variedades locais e já produzi-las em escala comercial (caso da linha Clos Ancestral) ou o sucesso da malbec na Argentina, um gigantesco viveiro de plantas centenárias, boa parte de matrizes que precedem a chegada da praga da filoxera na Europa; em tese esta seleção natural representa uma vocação de cada variedade para um local.
Assim cada vez mais veremos a valorização da combinação de regiões e castas que historicamente estão conectadas, como garnacha (ou grenache) em zonas mediterrâneas, as múltiplas regiões e as respectivas castas portuguesas, país e cinsault no Chile, nerello mascalese e carricante na Sicília, e por aí vai. E vale a pena o pequeno trabalho para encontrar essas expressões alternativas, que também oferecem personalidade e preços menos inflacionados pela relação entre oferta e demanda global.