A nova era dos ventos e dos vinhos

A nova era dos ventos e dos vinhos

Publicado por: Suzana Barelli Publicado: 20/05/2024 09:28 Visitas: 507 Comentários: 0

Pouco mais de um mês atrás, no início de abril, o produtor gaúcho Luís Henrique Zanini foi a estrela de um debate sobre viticultura regenerativa, em São Paulo. A ideia dos organizadores, a Aia, que é o braço de sustentabilidade do hotel Rosewood, e a importadora de vinhos Familia Kogan, era chamar atenção para um tema caro para a viticultura e muito pouco discutido por aqui. No tema central do debate estava a proposta de praticar uma viticultura capaz de regenerar a região onde as vinhas são plantadas. Zanini falou muito do seu trabalho de impedir que os vinhedos se transformem em uma monocultura e de trazer novas marcas na paisagem, a começar pelas araucárias.

 

Menos de um mês depois, a fala de Zanini agora parece visionária. Ainda há muito o que descobrir sobre as causas da tragédia que abateu o Rio Grande do Sul e que, na Serra Gaúcha, se traduziu em deslizamento de terra e destruição de muitos vinhedos – o Emater estima em mais de 250 hectares de vinhedos foram soterrados, em um número que não para de crescer. Mas já se sabe que o volume recorde de água registrado no Estado é uma das consequências das mudanças climáticas. E esse era o ponto principal da apresentação de Zanini: temos que regenerar e não deixar que os vinhedos gaúchos sejam apenas uma monocultura, expulsando as demais variedades de seu entorno. O impacto dessa ação do homem pode ser fatal, disse ele, sem nem no pior pesadelo imaginar o que estava por vir.

A apresentação foi seguida de uma degustação de três safras do Era dos Ventos Peverella, o vinho que deu fama ao produtor: o 2021, o 2014 e o inesquecível 2011. Na década passada, Zanini foi um dos primeiros produtores brasileiros que decidiram elaborar o chamado “vinho laranja”, quando a casca da uva fica mais tempo em contato com o mosto, trazendo complexidade de aromas e texturas e uma coloração âmbar (por isso, muitas vezes é chamado de vinho laranja). No final da noite, também houve a distribuição dos primeiros exemplares de A Era dos Ventos, o livro que Zanini lançou na semana seguinte, editado pela Contra-Corrente.

 

A primeira obra literária do produtor une poesia com as histórias que ele viveu no caminho de elaborar vinhos que tragam história e se identifiquem com a sua origem. Peverella, por exemplo, é uma variedade trazida pelos imigrantes italianos e que quase desapareceu na Serra Gaúcha. Hoje, a estimativa é que tenham (ou tinham, ainda é cedo para dizer) 35 hectares da variedade cultivada na região. O próprio Zanini tem 1,8 hectare, ou tinha, de peverella. Ainda não é possível passar pelos vinhedos e contabilizar os prejuízos materiais, mas ele estima que perdeu 0,4 hectare de vinhas jovens, recém-plantadas com a peverella.

São as poesias que trazem um deleite à leitura. Zanini se define como um poeta, como exemplifica o contrarrotulo de seus vinhos, sempre com uma poesia. No livro, não é diferente: cada capítulo traz um poema do viticultor, com temas ligados à temática do vinho, muitas referências ao meio ambiente e ao amor. O capítulo sobre as araucárias é o que parece mais visionário. As matas de araucária representavam mais de 40% do território riograndense e hoje são menos de 3%, informa o autor logo no início do capítulo. E Zanini escreve:

“o primeiro vinho da Serra Gaúcha nasceu nos braços e no tronco de uma araucária. Foi ela também que moldou a estrutura dos vinhedos e que ajudou a transportar o vinho pronto em comboios pelo Brasil afora. Esquecer da araucária é dar as costas ao passado vínico do nosso país”.

O capítulo continua contando a história da viticultura, com a troca dos equipamentos elaborados com a araucária por materiais mais modernos, como o inox. “A madeira é história de uma árvore, mas o inox, o polipropileno, o concreto contam que história?,” pergunta ele ao longo do capítulo.

E termina assim: “O fato é que aqui no Brasil, queiram ou não, a vitis é exótica e nem mesmo as espécies lambruscas, ditas americanas, são originárias daqui. Por isso considero tão importante compensar o cultivo das videias com o plantio de espécies nativas. Elas devem coabitar. É só uma ideia de um poeta que ama tanto a vinha como as araucárias”.

E o capítulo seguinte começa com uma poesia sobre a primavera e o sugestivo título de “Devastação das matas”. Apesar de falar das matas da região no início do século 20, não deixa de ser atual.

A Era dos Ventos
Luís Henrique Zanini
Editora Contra-Corrente
286 páginas
R$ 76,50

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