A escola bordalesa

A escola bordalesa

Publicado por: Marcel Miwa Publicado: 12/09/2024 20:28 Visitas: 454 Comentários: 0

A referência à Bordeaux nos abalroa por diversas vezes, seja nas leituras ou entre taças de vinhos. A região teve sua vocação para produzir vinhos revelada, nenhuma surpresa, pelo romanos, no século I a.C. (sim, portanto, mais de 2.000 anos de história para a conta). O acesso ao Atlântico facilitado pelo estuário do Gironde ajudou na viralização dos vinhos de Bordeaux pelo mundo (o que se conhecia do mundo naquela época). A partir daí e por muitos séculos diversas culturas e povos deixaram suas marcas no modo de produção dos vinhos bordaleses, seja pelo talento comercial de ingleses e belgas, técnicas de drenagem de holandeses, o savoir-faire francês… todos de alguma forma deixaram valores para colocar a região como baliza de um estilo de vinho.

 


Vista aérea de St-Julien, em Bordeaux

A referência é tão sólida que hoje falamos de castas bordalesas, calda bordalesa, garrafa bordalesa, barrica bordalesa entre tantas outras “marcas” deixadas por esta parte sudoeste do território francês. Em tópicos, veja o significado de cada termo:

Castas bordalesas: na visão mais clássica e purista o termo se refere ao trio cabernet sauvignon, merlot e cabernet franc, normalmente alternando o protagonismo entre as duas primeiras. Porém hoje aceita-se no grupo as variedades que são/foram plantadas em Bordeaux ou aparecem de forma marginal no corte dos vinhos. Dando nomes aos bois: malbec, petit verdot e carménère. Curiosidade: a malbec chegou a ser a variedade mais plantada no Médoc, em meados do século XIX. Entre as variedades brancas, o corte de sauvignon blanc com sémillon é a marca da região para o mundo. Puristas diriam que falta a muscadelle, mas esta pouco se vê pelo mundo.

Calda bordalesa: o preparado de sulfato de cobre com cal virgem em água é largamente utilizado em diversas culturas para combate e prevenção à fungos, especialmente o míldio. A receita criada no final do século XIX em Bordeaux, e justamente para o tratamento dos vinhedos, é até hoje bastante popular, inclusive é permitido no cultivo orgânico. O líquido resultante desta mistura é pulverizado diretamente em toda a planta.

 


Barrica de 225 litros do Château Margaux

Barrica bordalesa: as barricas no formato de Bordeaux podem ser consideradas o mais difundido aporte dos vinhos dessa região para o mundo (mais até que as cepas). A famosa capacidade de 225 litros de cada barrica de carvalho (francês, claro) não é ao acaso e equivale a 300 garrafas de vinho. Além da capacidade em garrafas, o tamanho se mostrou ótimo para evolução da tânica cabernet sauvignon, amaciando seus taninos, devido à porosidade da madeira frente ao volume do vinho x superfície de contato com a madeira (paramos aqui com a matemática). Historicamente, o formato de barril foi desenvolvido pois facilitava a logística para transportar e conservar os vinhos nos navios, sendo que para envergar as tábuas do carvalho e montar a barrica, o caminho mais fácil é pela tosta. A conservação dos vinhos ainda foi aprimorada pelos holandeses que adotaram o processo de sulfitar as barricas antes de colocar os vinhos, dando maior estabilidade e durabilidade. Apenas como referência também existem as barricas borgonhesas (ou pièce, 228 litros), demi-muid (típica do Rhône, 600 litros), bota (típica de Jerez, entre 500 e 600 litros), tonneau (difundida na Itália, 900 litros) e foudre (típica da Alsácia e Alemanha, mais de 1.000 litros), por exemplo.

Garrafa bordalesa: menos conhecida mas vista quase que obrigatoriamente em qualquer gôndola de vinho, Bordeaux também batiza o modelo de garrafa mais popular para vinhos, aquela com “ombros" bem definidos logo após o gargalo, com o vidro descendo uniformemente até à base. Esses “ombros" podem ajudar a reter algo das borras dos tintos, na hora do serviço, fenômeno que normalmente ocorre em tintos de guarda ou vinhos não filtrados. Mas longe de ser uma regra absoluta, afinal, muitos vinhos da Borgonha também são longevos e podem acumular borras com o tempo, ainda assim as garrafas não possuem os tais ombros. Além da garrafa modelo borgonha, também existem as renanas (típicas dos riesling, estreitas e longas), fiasco (fundo arredondado, típica dos antigos Chianti, envolto em uma palha), clavelin (típica do Vin Jaune, com 620ml de capacidade) ou a bocksbeutel (“saco de bode” em tradução livre, típica da Francônia, na Alemanha, com a base arredondada e achatada).

La Place de Bordeaux:  a Praça de Bordeaux, como o nome indica, funciona justamente como marketplace, onde originalmente os negociantes de Bordeaux se juntaram para definir os preços e alocações de garrafas de cada château. Esta forma única de vender os vinhos foi se desenvolvendo ao longo de séculos.

Historicamente era tarefa complicada exportar os vinhos. As constantes guerras no território europeu (Guerra dos 30 anos, Guerra Franco-Espanhola e guerra da Sucessão Espanhola, por exemplo) no final do século XVII e início do XVIII tornava arriscado o transporte dos vinhos da França até Inglaterra ou Holanda, dois dos principais mercados na época. Surge nesta época os negociantes de Bordeaux. Estes negociantes cuidavam da fase de engarrafamento do vinho até a venda a entrega ao comprador no mercado estrangeiro. Os châteaux se concentravam apenas na função de cuidar das vinhas, produzir o vinho e administrar seu amadurecimento. Estes negociantes, ao final, que fixavam e controlavam os preços dos vinhos. Para diminuir o risco dos châteaux, os negociantes pagavam pelos vinhos antecipadamente; visto o longo tempo de produção de um vinho, receber antecipadamente era bom negócio.

O sistema foi se sofisticando ao longo do tempo e hoje boa parte dos vinhos com classificação Cru Classé vendem seus vinhos através dos negociantes. E, simplificando, o processo é o seguinte: cerca de oito meses após a safra, quando os vinhos ainda estão nas barricas é feita a degustação para o mercado e críticos. Ali é cravado o primeiro preço que o vinho sairá ao mercado (e qual quantidade de garrafas neste primeiro lote), e isto será ao menos um ano após esta degustação. Ali já são feitos os pedidos e toda a cadeia é remunerada. A cada novo lote de vinhos colocado no mercado os preços podem oscilar (conforme oferta e demanda ou uma nova pontuação de um crítico), funcionando parecido como uma bolsa de valores, reunindo os principais compradores de vinho do mundo.

Hoje a Praça de Bordeaux se abriu para vinhos de outros países (vinhos ícones que devem ser aprovados pela comissão dos negociantes de Bordeaux) e acaba por ser uma grife ter seus vinhos vendidos naquele mercado. Christian Vallejo, diretor-técnico da chilena Vik, comentou que a vinícola entrou na Place de Bordeaux no ano passado, com seu principal vinho Vik 2019. O lançamento se deu através de cinco empresas negociantes e neste ano terão mais seis negociantes representando Vik na Praça de Bordeaux (cerca de 70% da garrafas produzidas serão vendidas por ali, perto de 20.000 garrafas). Outros ícones californianos, argentinos, sul-africanos, australianos, chilenos e até rótulos chineses são ali vendidos atualmente.

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