Parece mas não é…

Parece mas não é…

Publicado por: Marcel Miwa Publicado: 09/08/2024 19:28 Visitas: 307 Comentários: 0

O bordão do título era utilizado por um cosmético popular na década de 1980 e faz referência a um shampoo que parecia remédio, mas não era. No mundo do vinho também estamos bem providos de “Denorex” (o nome do tal produto, e parei aqui com o arcaísmo), ou no âmbito mais genérico, as tais pegadinhas. São tantos nomes, idiomas e culturas que em alguns momentos palavras parecidas significam coisas distintas e palavras completamente distintas significam a mesma coisa.

Quando falamos de variedades de uvas, a OIV (Organização Internacional da Vinha e do Vinho) vem tentando organizar um pouco o tema, como rebatizar a italiana Tocai Friulano apenas como Friulano, para evitar a confusão com os vinhos Tokay, da mais conhecida região produtora de vinhos da Hungria. Entretanto a estrada está longe de perder suas curvas. Aqui listo algumas interessantes confusões que vemos nos vinhos:

Bonarda (Argentina) - segunda variedade mais plantada na Argentina (e apenas nas últimas décadas foi ultrapassada pela malbec) na realidade não é a bonarda italiana, típica das regiões da Lombardia e Piemonte. A bonarda do país platino na realidade é a alpina Douce Noir (ou Corbeau), da região francesa do Savoie.

Pecorino - o termo mais associado ao queijo romano de ovelha, ingrediente fundamental de molhos clássicos como o cacio e pepe ou l’amatriciana, é também o nome de uma variedade branca, típica da região do Marche, mas se estende também por zonas vizinhas, como Abruzzo. O nome Pecorino, em ambos casos, deriva de “pecora" (ovelha, em italiano); no caso do queijo pela origem do leite e no caso da uva/vinho porque as ovelhas gostavam de mordiscar os cachos desta variedade quando andavam pelos vinhedos. E essa “pegadinha" já foi tema de questão de prova de CWS (Master Sommelier).

Montepulciano - ainda no capítulo italiano, o nome Montepulciano também pode dar ensejo a algumas confusões. A associação mais comum é com a denominação de origem (D.O.) Montepulciano d’Abruzzo, que simplesmente junta o nome da variedade (montepulciano) com o nome da região, Abruzzo, ao sul do Marche e com frente para o Mar Adriático. A “outra" montepulciano faz referência à cidade de Montepulciano, na parte continental da Toscana, ao sul de Siena. Lá existe a DOCG Vino Nobile di Montepulciano, cujo vinho é feito com a sangiovese, por sua vez, localmente conhecida como prugnolo gentile. Simples, não?

Tempranillo - a variedade mais emblemática da Espanha sofre o problema reverso; aqui não se trata do “parece mas não é”, mas sim do caso “é, mas não parece”. Isto porque a mesma variedade tem tantos nomes e identidades distintas que poderia entrar na lista da Interpol. Apenas dentro da Espanha ela pode ser encontrada pelas alcunhas tinto fino (Ribera del Duero), tinta de toro (Toro), tinto del país, cencibel (La Mancha) e ull de liebre (Catalunha); além de cruzar a fronteira com Portugal e assumir as identidades de tinta roriz (Douro) e aragonez (Alentejo).

Carménère x merlot e albariño x sauvignon vert - Alguns casos confundem até mesmo os especialistas. Até o começo da década de 1990 as videiras de carménère no Chile estavam mescladas com videiras de merlot. A primeira tem um ciclo de amadurecimento longo e a segunda curto, porém o formato das folhas e cachos se parecem (uma das formas para se identificar as diferentes variedades). Seria essa a explicação para a confusão? Ou mais, isso também explicaria o estereótipo dos carménères herbáceos (pirazínicos, diriam os entendedores) da época?

Em outro caso mais recente e na Austrália, testes de DNA realizados em 2009 comprovaram que parte da albariño introduzida na Oceania a partir de 1989 se tratava, na realidade, da savagnin (variedade típica do Jura, França). O equívoco, assim como no caso chileno, se deu pela confusão do viveiro que enviou as mudas para o plantio nesses países.

Zinfandel e primitivo - embora não sejam idênticas, a popular casta americana e a variedade italiana que faz sucesso nas mesas brasileiras podem ser consideradas irmãs, tendo como ascendente comum a croata crljenak kastelanski (um ponto para quem acertar a pronúncia). Mesmo com pequenas variações genéticas que justifique a existência dos dois nomes, mais importante é a similaridade que existe na taça entre as duas versões. Mesmo em terroir muito distinto, ambos resultam em tintos, potentes, que mesclam fruta madura com toques mais verdes, consequência do amadurecimento não uniforme dos bagos de um mesmo cacho, uma marca da(s) variedade(s).

País - no mesmo caminho da tempranillo, a variedade chilena que vem despontando no vale de Itata (sul do país) é a mesma cepa que cruzou os Andes e ficou conhecida como criolla chica na Argentina, que por sua vez é diferente da criolla grande, esta nativa do país sul-americano. Em outra rota traçada pelos espanhóis, a variedade também subiu o Oceano Pacífico em direção ao México e Califórnia, onde ainda é encontrada sob o nome de mission. Todas elas têm como matriz a listán prieto, das Ilhas Canárias.

Portugal - o país rende um capítulo à parte e quase inesgotável neste tema. Apenas para exemplificar, a arinto dos Açores não é a mesma arinto do continente, mas sim descendente da verdelho dos Açores, que por sua vez é a mesma verdelho da Ilha da Madeira, mas que é diferente da verdelho da parte continental de Portugal (que também aparece sob o nome gouveio). A verdelho, qualquer uma delas, também não se confunde com a espanhola verdejo, outra variedade branca, e com outra expressão. E por aí podemos seguir ao infinito e além.

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