O vinho deve alcançar consumidores, não fãs

O vinho deve alcançar consumidores, não fãs

Publicado por: Marcel Miwa Publicado: 04/12/2023 11:10 Visitas: 670 Comentários: 0

O título é exatamente a antítese do tema apresentado por Bruce Dickinson, no Congresso Wine Future 2023, realizado em Coimbra, Portugal.

Antes, um pequeno contexto: Bruce Dickinson é vocalista da banda de rock Iron Maiden (que ano sim, outro também, está no Brasil com algum show). Além de ser uma grande personalidade pública, que movimenta milhares de pessoas por onde toca, possui uma marca de cerveja, a Trooper. Justamente por esta experiência com uma marca de bebidas, o vocalista do Iron foi convidado para falar na conferência que tem como objetivo trazer tendências e apontar o futuro do setor do vinho.


Bruce Dickinson: “Um fã é alguém apaixonado por aquilo que está a fazer”

A apresentação do rockstar centrou na conversão dos consumidores em fãs. “O consumidor é a pessoa que pode chegar à loja, dar uma volta e ir embora. Um fã é alguém apaixonado por aquilo que está a fazer”, disse Dickinson.

E, de fato, faz sentido. Observe qualquer um destes grandes shows e festivais que ocorreram no Brasil neste ano: o ingresso é caro (ok, o caro, assim como no vinho, é relativo), chegar ao lugar do show é um perrengue; só não maior que o desafio de retornar; fila, aglomeração, possível furto ou arrastão na saída, pouco conforto, alimentos e bebidas que sequer arrancam meio suspiro… a lista é longa (e havia escrito este trecho antes do show da Taylor Swift). Nada contra os shows e grandes festivais, e tenho lugar de fala por ter percorrido essa saga, do pacote "standard" ao “all inclusive” acima mencionado. Mas, realmente há uma grande participação da paixão, do irracional, para conseguir ouvir (nem sempre ver com a mesma qualidade) seu adorado artista.

Fã é uma forma reduzida de fanático, que por sua vez deriva do latim fanum (santuário, templo). Pois esta adoração, por vezes pouco racional, contradiz outro dos principais tópicos tratados na conferência que tenta antecipar tendências nos diversos setores do vinho: o consumo consciente de álcool.

No Wine Future 2023 Laura Catena falou sobre vinho e saúde, abordando a importância da informação e o conhecimento científico para traçar políticas públicas, o painel de Anna Burchett tratou da sustentabilidade e transparência na comunicação das vinícolas, a Master of Wine Liz Thach mediou um painel sobre hábitos do consumidor de vinhos e estratégia de vendas. Todas estas e ao menos mais duas apresentações trazem com protagonismo ou pano de fundo a importância da informação e formação do consumidor.

 

Laura Catena: vinho, saúde e políticas públicas

Comunicar corretamente, claro, de forma menos burocrática e formal, mas explicar a existência de tantos rótulos, seja pelas as nuances que cada uva e um lugar, a interpretação humana destes fatores naturais junto com a história e tradição de uma região são os principais motivadores para o consumidor do vinho.

Jogar tudo ao alto para ter seguidores pode ser um passo em direção ao precipício. Colocar todas as características que justificam a diversidade de rótulos no segundo plano, em favor de uma marca ou um storytelling com pouco lastro pode até funcionar no curto prazo, mas se sabe que o negócio do vinho é um filme em câmera lenta e de prazos longuíssimos. Empacotar todas as informações ou focar em alguma qualidade que tenha maior apelo em algum nicho faz parte do jogo, e nem todos os rótulos precisar ter caras de châteaux. Mas também não podemos gostar daquela faixa 12 do disco (o termo é datado, reconheço) mais obscuro apenas porque é do Iron Maiden.

Comprar por paixão, impulso ou mera afeição acontece e é inevitável. Sabemos que o consumidor de vinhos dificilmente se torna fiel a uma marca, país ou uva. Muito mais importante, portanto, é munir o consumidor de informações para que navegue dentro do universo com alguma previsibilidade e tenha seus riscos minimizados .

Este é também um dos objetivos do Guia dos Vinhos. O exercício de traçar uma rota entre a sauvignon blanc, a aerdejo e a Alvarinho, por exemplo, trazendo aspectos comuns e suas dissonâncias; ou ainda, jogar com as aparente contradição entre força e delicadeza na pinot noir, na nebbiolo ou na nerello mascalese, torna o jogo muito mais positivo e saudável.

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