Livro indica 80 vinhos em volta do mundo

Livro indica 80 vinhos em volta do mundo

Publicado por: Beto Gerosa Publicado: 06/09/2024 15:42 Visitas: 417 Comentários: 0

Para que servem livros de vinho? O saudoso crítico Saul Galvão, na introdução de sua obra Tintos e Brancos, dá a dica. Eles complementam o entendimento da bebida: “Quem acha que conhece tudo sobre o vinho não passa de um boboca pretensioso”, escreveu Saul. E as viagens que fazemos para conhecer de perto vinícolas, vinhedos e regiões? Eu acrescentaria que as viagens também exercem este papel. Uma viagem de verdade, aquela experiência pessoal e sensorial que nenhuma tecnologia é capaz de substituir.

Um  livro, lembram disso? Aquele suporte guttemberguiano que dispensa sinal de wifi, bateria, é portátil, você mesmo vira as páginas com a mão e permite marcar trechos relevantes nas páginas. E tem mais: não há perigo de pular uma janela de mensagem atrapalhando o fluxo de leitura. 

Ok, um livro também pode ser acompanhado em formatos digitais como e-books, áudio-book, etc. O suporte é um detalhe, no meu caso o impresso é apenas uma preferência. O que talvez denuncie o número do meu RG

Este artigo, que é publicado também em formato de newsleter que muitas vezes, traz indicações de livros sobre vinho complementando o texto principal. Hoje, no entanto, a ordem está invertida. Um livro é o tema principal: A Volta ao Mundo em 80 Vinhos, de Mike Veseth.

Professor de economia, autor  de várias obras sobre o tema, palestrante e criador do blog The Wine Economist, Veseth propõe com A Volta ao Mundo em 80 Vinhos um paralelo com o obra de Julio Verne e assim percorre o planeta contando histórias e selecionando vinhos de várias regiões. Dos terroirs mais icônicos da França, Itália, Espanha e Portugal, na Europa, passando pelas Américas com visitas à  Argentina, Chile e, claro, Estados Unidos, e apresentando os mais surpreendentes, como Síria, China, Quênia (representado por um pinot noir!), Georgia e Índia, entre tantos outros, o autor mostra na prática que o vinho exerce um fascínio global que supera  desafios de tempo, clima, religião e até mesmo conflitos armados. 

Veseth comemorou a tradução de sua obra no Brasil em seu blog: "É emocionante ver a nova edição porque ela promete expandir o público global do meu livro. Brasil e Portugal são importantes países produtores e consumidores de vinho e o mundo de língua portuguesa é mundial."

Veseth, ainda bem, não escreve como um economista, mas traduz com clareza jargões e processos de produção, assim como estilos de vinhos e acrescenta um tom pessoal à sua narrativa. Apesar de acumular larga litragem de degustações e muito conhecimento no tema, não há preconceitos na hora de selecionar os rótulos dos países visitados. São historias e impressões dos vinhos mais caros e celebrados como Château Petrus 1994, um Stag’s Leaps Cabernet Sauvignon passando por goles mais populares como o português Mateus Rosé e o italiano Riunite.

Às vezes a tentativa de emular a viagem de Philips Foog, o personagem principal do livro de Julio Verne, atrapalha o fluxo da leitura. Fica meio forçado. Mas é um detalhe. Sua aventura global, que passa a ser do leitor que acompanha sua trajetória, é recompensada com relatos saborosos como os trechos selecionados abaixo: 

Borgonha X Bordeaux 

"Se vinho francês evoca para você a imagem de rudes vignerons enfrentando, num terreno minúsculo, o mau tempo e as implacáveis forças do mercado para produzir um vinho puro, natural e autêntico, então você é um borgonhês de corpo e alma e deve beber os melhores vinhos daquela região. Nem todos os vinhos da Borgonha são assim — na verdade, a maioria provavelmente não é, se levarmos em conta as estatísticas —, mas é essa a ideia por lá cultivada. É um aspecto do vinho francês, e da França também. Por outro lado, se você encara o mercado de vinhos como aquele ".com" que entrega o mundo inteiro na sua porta, e se gosta de levar em conta os milhares de classificações que orientam sua escolha e a segurança proporcionada pelas marcas famosas, então você está mais para o lado do Bordeaux nessa batalha." 

Vinho fluxo de caixa 

"Borgonha e Bordeaux são dos vinhos mais famosos (e mais caros) do mundo. Mas as duas regiões têm um segredo. Os melhores vinhos são apenas a ponta do iceberg. Lá embaixo, fora do alcance da nossa visão, estão quantidades muito maiores de vinhos de menor qualidade que precisam ser vendidos para pagar as contas. De uma forma ou de outra, eles se prevalecem da reputação dos vinhos mais finos, mas na verdade se trata mesmo é do Château Fluxo de Caixa. Costumo chamá-los de vinhos Black Friday. 

Vinho natural X industrializado 

"O movimento em favor do vinho natural está para o vinho industrializado assim como o movimento Slow Food para a comida industrializada, representando ao mesmo tempo um protesto e uma alternativa. A ideia do vinho natural minimizar a manipulação e a intervenção tanto nos vinhedos como na adega para que o vinho reflita da melhor maneira possível as condições naturais de sua produção. 

Os adeptos do vinho natural invocam a filosofia e a química ao se posicionarem contra a manipulação e a intervenção, com mínima utilização de dióxido de enxofre. Caminham numa corda bamba, tentando alcançar maior qualidade, ao mesmo tempo que correm o risco de produzir um vinho ‘arriscado’ e defeituoso." 

Vinho de guerra

Vinho e guerra não combinam muito bem. O vinho precisa de paz para o cultivo das uvas e a colheita, que não pode ser adiada nem reagendada para um momento e um lugar mais convenientes. Os vinhos precisam de paz para fermentar, amadurecer e se desenvolver.(…) O Domaine de Bargylus é, provavelmente, o vinho mais perigoso do mundo. Você talvez entenda por que se eu disser que suas vinhas se encontram na Síria, nas encostas de Jebel al-Ansariyé, outrora conhecidas como Monte Bargilus, não muito longe do litoral mediterrâneo. A região produziu vinhos durante séculos, e uma autoridade como Plínio, o Velho, o "Robert Parker" romano, se referiu a sua qualidade, mas o vínculo com a guerra é fortíssimo.(…)

Em agosto de 2014, por exemplo, ocorreram combates perto dos vinhedos entre facções islâmicas e as forças de Assad. Bombas explodiram nos vinhedos e os trabalhadores tiveram de fugir para se proteger. Durante algum tempo não ficou claro se seria possível colher as uvas, muito menos no bom momento de maturação. Derenoncourt (Domaine de Bargylus) se refere às três últimas safras como "vinhos de guerra".

E tem Brasil!

Há muitas outras histórias e lugares. Os tais 80 vinhos estão destacados no final de cada capítulo temático e listados no final da obra,  com uma divisão que de alguma maneira lembra o critério adotado por este Guia dos Vinhos para indicar uma ocasião para beber cada rótulo. São organizados em várias listas de vinhos: “populares, nobres, para aquecer a alma, para filósofos, para românticos, para aventureiros, para celebrar." Espertamente o autor reduziu suas escolhas de sua viagem à la Julio Verne para 56 rótulos. Com isso se permitiu a incluir vinhos de outros cantos do mundo para completar as 80 garrafas. São rótulos do Vietnã, Havaí, Novo México e por aí vai. O Brasil ganhou assim sua única indicação, e como era de se esperar, na divisão "Para Celebrar". O rótulo? O  espumante Salton Intenso Brut. 

A Volta ao Mundo em 80 Vinhos
Vivendo experiências inesquecíveis e conhecendo grandes vinhos, país por país
Editora Valentina
Tradução: Clóvis Marques
224 páginas
R$ 54,90
E-book 44,90

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