Dar uma olhada na prateleira de azeites no supermercado é um bom termômetro de como esse insumo está se transformando. Antigamente, ocupava um espaço tímido ao lado do óleo e se resumia a apenas um punhado de opções, geralmente de baixa qualidade, com envasamento datado de mais de seis meses atrás. Depois, os mercados passaram a receber azeites de mais qualidade do mundo todo – Espanha, Grécia, Itália. Agora, chega ao ponto máximo de frescor com uma produção brasileira que ganha corpo e importância.
Ainda que limitada, a indústria nacional de azeites cresceu consideravelmente nos últimos anos e mostrou a que veio. Atualmente são cerca de 120 marcas espalhadas pelo País, de acordo com o O Guia de Azeites do Brasil, e que acumulam prêmios. O Azeite Sabiá, por exemplo, marca presença no Guia Flos Olei há três anos, selecionado como um dos 500 melhores azeites do mundo. Já o Borriello foi medalha de prata no The New York International Olive Oil Competition, enquanto a marca Lagar H foi premiada no Leone D'Oro. A maioria desses azeites vem da região da Serra da Mantiqueira ou do Sul do Brasil.
Tudo isso por conta de azeites extremamente aromáticos, frescos e que, no paladar, trazem uma diferença considerável em relação àquele azeite básico encontrado na prateleira do mercado. “O azeite brasileiro tem um frescor imediato, e não só na boca, mas também no nariz, com um aroma fresco, muito herbáceo, de ervas frescas”, contextualiza Ana Beloto, azeitóloga e autora do livro Azeite-se. “Quando falamos de azeites da Mantiqueira, sentimos folhas de rúcula e de agrião. Temos também, no Brasil, um sensorial de couve e até de frutos tropicais, como maracujá. Há proximidade sensorial da mesa brasileira no dia a dia”.
Sandro Marques, professor de gastronomia no Senac e autor do livro O Guia de Azeites do Brasil, acredita que ainda é cedo para falar de uma unidade de sabor e de aroma nesse insumo brasileiro -- afinal, a produção tem apenas pouco mais de 10 anos. Mas está ficando mais madura. “Estamos percebendo também que algumas variedades de oliveiras se adaptam bem ao solo brasileiro e proporcionam aromas com certa tropicalidade”, diz Sandro, em consonância com Ana Beloto. “Embora seja cedo para falar de terroir, começam a aparecer algumas tendências em aromas e sabores que são muito promissoras”.
Produção crescente, frescor garantido
O ano de 2022 deve ser histórico para o azeite brasileiro, com recordes na quantidade produzida do “ouro líquido”. No entanto, o que pode ser produzido no Brasil não chega a 1% do mercado -- que, inclusive, avançou nos últimos anos, deixando de ser um ingrediente apenas de Páscoa e Natal, chegando a 430ml de consumo per capita por ano. Para os responsáveis pela marca, esse é um processo natural de conhecimento de mercado e, acima de tudo, da própria maneira que se faz, produz e vende esse azeite extravirgem.
“Nós ainda estamos em um processo de aprendizagem de mercado. Esse azeite extravirgem, com cuidado na extração, é algo recente, de 1990 pra cá”, explica Bob Vieira da Costa, dono do Azeite Sabiá ao lado de Bia Pereira. Eles fizeram a primeira extração de azeite em 2019 e, hoje, contam com fazendas na Serra da Mantiqueira e também no Rio Grande do Sul, em Encruzilhada do Sul. “Atualmente, a grande questão pra nós é que os pomares daqui são menores e com tecnologia com implementação muito recente”.
Apesar desse crescimento de produção, produtores de azeite se preocupam em manter a qualidade do produto, principalmente o frescor. “Temos um produto plantado no Brasil, envasado no Brasil. É da fazenda para sua casa, fresquíssimo”, contextualiza Glenda Haas, presidente da Lagar H. “São poucos produtores, são poucos pontos de venda. Ele não sofre com o transporte. São diversos perfis no Brasil, diversos usos, diversos aromas e sabores”.
Sandro Marques, autor d’O Guia do Azeite Brasileiro, acredita que 2022 será importante não só por conta da quantidade, mas também da qualidade. “Embora a produção de azeite nacional seja recente, muitos olivais estão chegando à fase adulta e com isso, a produção começou a aumentar”, diz o especialista. “Este ano, por exemplo, estamos prevendo uma das melhores safras de todos os tempos e não só em volume. Eu tive a oportunidade de degustar, ainda durante a extração, vários azeites de 2022 e a qualidade me surpreendeu muito, mesmo estando acostumado a qualidade geralmente alta de nosso azeite”.
Carla Borriello, dona da marca de azeites que leva seu sobrenome, pode falar com propriedade sobre esse crescimento: quando fez a primeira extração, em 2014, as pessoas não entendiam que o azeite era realmente brasileiro. “Ia à porta do restaurante explicar o nosso produto”, conta. “Hoje vivemos uma expansão incrível. Quando começamos na Serra da Mantiqueira, eram dois ou três produtores começando a plantar. Agora são quase 40, cerca de oito marcas. No Rio Grande do Sul expandiu absurdamente. Acredito que são 50 produtores. Estamos crescendo em número de produtores e também em quantidade”.
Desafios
Com isso, há dois desafios principais no caminho: preço e escala. Afinal, por um lado, há um limite de condições geográficas e climáticas para implantar olivais. Assim, mesmo que a produção dê um salto, ela vai alcançar um teto. “É possível que o azeite nacional venha a ser um produto de nicho. O que não significa elitizado ou gourmetizado, mas concorrerá com os melhores azeites importados internacionais”, afirma Marques, do Guia do Azeite.
Isso, é claro, acaba causando impactos no preço. O Lagar H, por exemplo, parte de R$ 145 para um vidro de 250ml. O Sabiá sai um pouco mais em conta, por preços a partir de R$ 79.
“Quando a pessoa vai comprar um azeite, o primeiro impacto é o espanto de que não sabia que existia um azeite brasileiro, não o preço. Ele volta querendo entender o que tem em um azeite paulista, em um azeite mineiro, em um azeite do Rio Grande do Sul, um azeite da Bahia”, diz Beloto. “O preço espanta em um segundo momento, mas ele entende que a produção é pequena. Por isso que a venda precisa ser guiada, não dá pra deixar apenas na gôndola e deixar lá. A pessoa vai ver que é caro e não vai entender o motivo de ser caro. É preciso valorizar os produtores que estão acreditando nessa recente agricultura no País”.
Por isso, o futuro do azeite brasileiro passa pela educação. “É algo semelhante ao que aconteceu com o café. É uma commodity, mas há algo a mais ali. Não é só essa commodity que tomamos ou comemos de vez em quando”, diz Bob, do Azeite Sabiá. “Temos esse trabalho educativo antes para mostrar essa diferenciação para mostrar o motivo desse preço. É um produto de alto valor que ainda precisa passar por um processo de educação”.
Nos restaurantes
Agora, com esse crescimento, chefs e restaurantes começam a procurar o produto com mais afinco. O Maní, restaurante da chef Helena Rizzo, começará a servir um azeite brasileiro que vem de Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, onde ficam as oliveiras e o lagar da Casa Albornoz. Ele será colocado nos pratos do restaurante e também vendido no Maní, nas unidades da Padoca do Maní, no Manioca e online.
Os produtores, enquanto isso, confirmam que há um interesse crescente dos restaurantes. A Borriello, por exemplo, está focando sua produção nos restaurantes, enquanto Bob e Bia estão pensando em criar uma segunda marca de seu Azeite Sabiá de olho em restaurantes.
“Os nossos principais clientes hoje são restaurantes. Há uma mudança de cultura muito grande, como aconteceu com queijos e vinhos, e pegamos carona nisso tudo. Restaurantes estão procurando pequenos produtores, produtos diferenciados. Há uma valorização do pequeno produtor”, diz Carla, que atende locais e restaurantes como o Copacabana Palace e o Evvai. E o futuro? “Estamos crescendo, mas precisamos perceber que nosso concorrente não pode ser aquele azeite importado com milhões de litros na produção. Precisamos encontrar o nosso público. Acredito que estamos seguindo pelo caminho certo”.
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