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Suzana Barelli

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Le Vin Filosofia

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Alcachofra, flores e vinho

O exercício de combinar a alcachofra com os vinhos espumantes

Alcachofra é daqueles ingredientes que causam calafrios no mundo do vinho. Com notas herbais e vegetais e, ainda, um toque amargo, esta flor é quase uma vilã quando o assunto é escolher um vinho para harmonizar com as suas receitas. A dica – ou o desejo – de qualquer sommelier é fugir deste ingrediente em qualquer menu harmonizado.

Mas o pensamento do chef Marcelo Fukuya, do restaurante japonês Kinoshita, em São Paulo, destoa desta corrente. “Escolhi a alcachofra porque gosto muito dela”, foi sua resposta quando indagado sobre suas razões para eleger esta flor para harmonizar com champanhe.

Explicando melhor: a Maison Krug, uma das casas de champanhe de maior prestígio desta região, elege todos os anos um ingrediente para os restaurantes selecionados como embaixadores da marca ao redor do mundo criarem receitas específicas e harmonizarem com o seu champanhe.

No Brasil, o Kinoshita é o único embaixador da Krug, o que trouxe o desafio a Fukuya. Em nenhum momento, diz ele, a flor o intimidou – aliás, ele poderia ter escolhido qualquer flor para compor o menu e ter a sua receita publicada no livro “All for one and one flor-all”. Editado apenas em inglês, a publicação traz 134 receitas destes chefs embaixadores e faz uma brincadeira com o título, ao trocar o for all (para todos) por flor-all.

Deu match

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Espumantes da Krug utilizados na harmonização. Foto: Suzana Barelli/Estadão

Inusitada, a receita convidava a testar a combinação e o interessante é que a harmonização funcionou. No prato, uma alcachofra enorme, com as suas pétalas abertas e temperadas com kombu (uma alga marina), e com um molho de flores, preparado com shiso e azeite de oliva, destoava, primeiro visualmente, da delicadeza dos demais pratos da casa. Mas a receita inusitada convidava a testar sua combinação com o champanhe, elaborado com as uvas pinot noir (com 44%), chardonnay (36%) e pinot meunier (20%).

Desafio vencido. A explicação mais técnica é que a alcachofra tem cinarina, um ácido de propriedades medicinais e que traz as notas metálicas em contato com o vinho – e o champanhe, vale lembrar, é um vinho espumante. O caminho para o vinho passa por uma bebida com maior acidez, sem açúcar residual e não muito encorpado. O champanhe tem esta acidez necessária e um corpo, aquela sensação de peso na boca, semelhante ao da flor.

Flor de abobrinha

Menu da harmonização. Foto: Suzana Barelli/Estadão

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Ao lado da alcachofra, mas no mesmo prato, a receita de Fukuya tinha também um tempura de flor de abobrinha. E aqui a harmonização foi certeira com a bebida. A explicação é que a acidez do champanhe casou com o tempura (acidez da bebida tende a combinar com a fritura da comida), e abobrinha e champanhe tinham aromas e texturas semelhantes.

A única exceção foi o aperitivo servido na entrada. Era um coração de alcachofra com atum bluefin Akami e, apesar de saborosa, foi a criação floral que menos harmonizou com a proposta do jantar. O peixe combinava com a bebida, mas a base de coração de alcachofra não tinha ligação com o champanhe: não brigava no paladar, mas também não casava. Mas, a temível nota metálica não apareceu.

No livro

Julie Cavil, que é a mestre de cave da Krug, justifica a escolha das flores por seus aromas. “As flores comestíveis na cozinha intensificam a expressão aromática de uma harmonização, infundindo sabores completamente novos e aromas inesperados”, escreve ela na introdução do livro, que apresenta as receitas. E acrescenta: “elas oferecem aos chefs um espectro em flor de diversidade, adicionando refinamento e um toque de surpresa a qualquer criação.”

A chef de cave, a primeira mulher na história da Maison a ocupar este cargo, também valoriza a diversidade de formas, aromas e fragrâncias das flores. “A flor é um belo exemplo de diversidade”, concluiu.

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O desafio

Champanhe Grand Cuvée da Krug. Foto: Suzana Barelli/Estadão

Da harmonização, duas constatações. A primeira é que o limão, que foi o ingrediente do ano passado, era mais fácil de harmonizar – o toque cítrico deste vinho espumante sempre encontrará par para este fruto. No passado, o arroz, a cebola e até a pimenta já foram eleitos para esta proposta de harmonização.

A segunda é que as borbulhas tendem a combinar com a alcachofra. E isso convida vocês, leitores, a provarem a alcachofra, que está em plena safra, com os espumantes, e não apenas os franceses. O desafio, ou melhor, o convite, está feito.

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