Em passagem por São Paulo, onde apresentou a safra 2022 do Viñedo Chadwick, a enóloga chilena Emily Faulconer conta dos seus desafios como principal enóloga dos vinhos de Eduardo Chadwick. Ela assumiu o cargo no final de 2023, substituindo Francisco Baettig.
Seña e Viñedo Chadwick são dois dos grandes vinhos chilenos de Eduardo Chadwick. O empresário escreveu um importante capítulo no vinho chileno ao organizar a Cata de Berlin, prova que comparou os seus vinhos do país andino com os rótulos franceses. Na conversa, exclusiva para o Paladar, Emily conta dos seus desafios na nova função e da importância da cabernet sauvignon para o Chile. Confira.

Como é estar pela segunda vez a frente de um projeto de Eduardo Chadwick?
É completamente distinto. Na primeira vez, quando trabalhei na Arboleda, eu vinha de um projeto pequeno, tinha 30 anos e um desafio enorme. Sai dois anos depois para assumir a Viña Carmen. Foi incrível porque tive a oportunidade de fazer muitas mudanças, muita inovação, como uma definição estilística. Tinha muita liberdade e muita aprendizagem. No começo, me interessei muito pelos pequenos produtores, e depois pelo cabernet sauvignon de Alto Jahuel, também no Maipo. Comecei a investir na setorização dos vinhedos, para ter vinhos de diferentes perfis. E, aos 38 anos e com uma filha de meses, surgiu a oportunidade de voltar para trabalhar com Eduardo Chadwick. Já havia trabalhado com Francisco (Baettig). Se me falassem que eu seria chamada novamente, eu não teria imaginado. É um trabalho de muito intercâmbio, com possibilidade de fazer uma continuidade, que para mim é o mais importante. É dar continuidade ao projeto.
Esta é a sua primeira safra sozinha. Dá medo?
Não tenho medo de fazer o vinho, até porque Francisco segue como consultor para a definição de mescla. É o primeiro ano que vamos trabalhar neste processo. No ano passado, ele vinha uma vez por semana. Tenho uma boa relação com ele, se precisar falar, falamos. O mais importante é que toda a equipe, que trabalha na vinha há mais de 25 anos, segue. Eles têm todo o conhecimento, são generosos. Todo o trabalho, do campo à mescla, funciona muito bem. Aqui, nunca é o projeto de uma pessoa, mas de uma equipe. E eu estou numa posição de escutar, de entender. Vou ao campo com mais quatro pessoas, converso. Sinto muito a responsabilidade e também estou muito agradecida.
Você é a primeira mulher neste cargo. Há preconceito?
Não senti preconceito, não. Atualmente, tem várias mulheres em posição de destaque nas vinícolas chilenas, mas menos do que os homens. Já escutei que estou no cargo por ser mulher, mas não gosto de pensar desta forma. Tenho esta posição por mérito. Mas escuto que se precisa dar mais oportunidades às mulheres.
Há diferenças de gênero na maneira de degustar?
Eu creio que não. O meu trabalho é de muito treino. Tem certas características que se atribui às mulheres, de que somos mais organizadas, metódicas, que temos um melhor sentido no olfato. Mas, às vezes, na minha equipe, eu sou mais desorganizada do que muitos homens. Tem homens que têm uma capacidade sensorial incrível. Claro que somos distintos, homens e mulheres. Acho que para as mulheres, o mais difícil é que temos de conciliar com os trabalhos domésticos. E para isso a flexibilidade é importante. Hoje, sinto que não posso trabalhar no mesmo ritmo, do que anos atrás, quando eu não tinha as crianças. Tem época que penso que não posso fazer as duas coisas bem, mas sei que as crianças crescem tão rápido e que tenho de conciliar com a minha profissão.
E quando você estava grávida, tinha diferenças de percepção do vinho?
Tem muitos estudos que mostram que sensorialmente o olfato aumenta na gravidez. Mas não senti muita diferença quando estava gravida. Acredito que porque já tenho o vinho internalizado, pelo nosso trabalho. Quando comecei, me frustrava porque cheirava a taça e sentia que tinha aroma de vinho! E só. Hoje, consigo perceber as camadas de aromas, consigo entender as suas propriedades e tudo o mais.
No novo cargo, você planeja um novo rótulo? Ou um segundo vinho para o Viñedo Chadwick, assim como o Seña tem o Rocas de Seña?
Um novo vinho? Não, por agora, não. Mas estamos sempre pensando. Se poderia fazer, seguramente, um segundo vinho no Chadwick. Usamos entre 30% a 40% das uvas e o restante não entra no blend. Poderia ser um segundo vinho, mas não está no projeto. São apenas 15 hectares, é pequeno. Tem a plantação nova que, quando estiver estabelecida, pode entrar no vinho. As nossas “cabecitas loucas” estão sempre pensando. Mas temos um portfolio bastante completo em vinhos.
O que esperar da safra de 2025?
É um bom ano. Será uma colheita menor, com características diferentes em cada região. Para os vinhedos da Costa, foi mais frio, e será um ano com vinhos com bastante tensão, com boa acidez. No Viñedo Chadwick, deve ser um ano clássico. Em Aconcágua será uma safra com maior maturação.
É o seu primeiro ano...
O primeiro que vou à vinha sem Francisco. Tenho o objetivo dos vinhos na minha cabeça, vou as vinhas, provo as uvas, penso nos setores, tem algo de intuição, e tem o técnico e a experiência. Se você me perguntar a que grau quer chegar, eu não sei o número, porque não quero muito álcool, algo como 13,5%, máximo 14%. Mas tenho muito claro o perfil de sabores, sei quando no ano mais frio precisa esperar a maturação da uva, em um ano mais quente, colhe um pouco mais cedo. No Chadwick, temos 26, 28 lotes distintos e podemos fazer as provas que precisamos.
Com o Seña, você está trabalhando com a filosofia biodinâmica. Os Viñedo Chadwick seguem nesta direção?
O Viñedo Chadwick era convencional e estamos mudando para o agroecológico. Levamos muitos anos trabalhando o solo, tiramos os produtos químicos, estamos na produção orgânica. Estou convencida que a agroecologia é o caminho. Estou aprendendo sobre a biodinâmica, que faz todo o sentido, trabalhando no vinhedo do Seña. A agroecologia, o conceito que usamos hoje, está muito ligado à biodinâmica, que tem de ter biodiversidade, de bichos gigantes aos microscópicos, de como manejar para que a vinha viva. É o trabalho antecipado com a observação. Queremos evitar as ações corretivas. Seguir isso é a chave do futuro, para fazer as vinhas serem mais resiliente, que vivam mais tempo. Pensamos nas mudanças climáticas, para que as plantas de adaptem. Estamos trabalhando muito forte nisso. Não ser um vinhedo perfeito, mas em equilíbrio.
A cabernet sauvignon é a sua uva preferida?
No campo profissional, ela é a uva do Chile, a que nos representa muito bem para os vinhos finos. Não sei se é a minha uva favorita para provar, mas estou me especializando em cabernet. Está muito ligado ao DNA do Chile. Hoje tem muitos vinhos ricos, que representam o Chile. A chardonnay, por exemplo, traz uma qualidade muito sólida, representa algo muito valioso de Chile. Se fizesse uma degustação às cegas como foi a Cata de Berlin [prova que Eduardo Chadwick organizou e que mostrou a qualidade dos vinhos chilenos frente aos rótulos franceses], acredito que poderia ter resultados muito interessante para a chardonnay e não apenas dos vinhedos costeiros, os do norte, do sul. Temos grandes chardonnays no Chile.