O Barca Velha é “o” vinho mítico de Portugal. Ele nasceu do sonho do enólogo Fernando Nicolau de Almeida de elaborar um tinto tranquilo no Douro, região ao norte do país até então famosa apenas pelo fortificado Vinho do Porto. Suas primeiras safras foram pura aventura, como o périplo de levar pedras de gelo para o Douro Superior, quase na fronteira com a Espanha, e assim controlar a temperatura de sua fermentação. Em 1952, ano da primeira safra do Barca Velha, ainda não havia estradas nem eletricidade neste interior. A luz só chegou na vinícola em 1963.
Desde então, tiveram apenas 20 safras do Barca Velha – a mais recente, de 2011, foi lançada no começo deste mês. Foi um pequeno evento, como mandam as novas regras da quarentena, realizado na Quinta da Leda, onde atualmente são cultivadas as suas uvas, também no Douro Superior. O vinho deve chegar ao Brasil em novembro, com preço de R$ 6.600 a garrafa, importado pela Zahil.
Quando penso no Barca Velha, duas outras histórias se cruzam. A primeira é a da Quinta do Vale Meão. Foi em seu vinhedo que nasceu o Barca Velha e onde Nicolau de Almeida o elaborou até o ano de 1997, quando se aposentou e passou o bastão para o enólogo José Maria Soares Franco.
O Meão pertence aos herdeiros de dona Antónia Ferreira, personagem empreendedora e cheia de histórias na região no século XIX. Quando a Sogrape adquiriu o grupo Ferreira em 1987, levou o vinho, várias das quintas compradas por dona Ferreirinha, mas não este vinhedo. A propriedade ficou com Francisco Olazabal, trineto de dona Ferreirinha, que no início vendia uvas para a Sogrape.
Com o tempo e com o interesse de seu filho, também Francisco Olazabal em enologia, as uvas foram ficando na propriedade e hoje dão origem a outro grande vinho do Douro Superior, o Quinta do Vale Meão (R$ 1.640, na Mistral).
A terceira história vem com Soares Franco. O enólogo português ficou 20 anos à frente dos projetos da Sogrape, com destaque para o Barca Velha, até passar o cargo para Luís Sottomayor, que segue até hoje no posto. Sempre me intrigou porque um enólogo abre mão de fazer o melhor vinho de Portugal, no auge de sua carreira. Ele saiu da Sogrape para se associar a outro enólogo de renome, o João Portugal Ramos e, juntos, criaram o projeto Duorum.
Soares Franco passou por São Paulo pouco antes da quarentena quando perguntei a ele o porquê da decisão. O enólogo disse que foi a oportunidade de trabalhar com um amigo e de fazer seus próprios vinhos. “Só me arrependo de não ter tomado esta decisão dez anos antes”, contou.
Hoje, o tinto O. Leucura, o rótulo premium da Duorum, cobiça o status do Barca Velha. Com uvas plantadas em um terreno de solo xistoso, também no Douro Superior, é elaborado apenas em safras excepcionais. Seu nome é uma homenagem a um pássaro local.
A partir da próxima safra (atualmente a safra de 2012 é comercializada pela Casa Flora, por RS$ 1.180) a ideia é lançar o O.Leucura apenas depois de sete anos na vinícola, entre o tempo em barrica e em garrafa. É uma filosofia semelhante a do Barca Velha, que vai amadurecendo na vinícola até o enólogo definir se ele será o vinho premium ou se será rotulado como Reserva Especial. Um exemplo é que a safra de 2011 é lançada agora, em 2020.
Em tempo: nem sempre é possível provar os vinhos ícones de cada vinícola, mas há rótulos de valores intermediários que dão uma pista do estilo de cada uma. No Duorum, há o Colheita e o Reserva, com preços de, respectivamente, R$ 195 e R$ 519,90, na Casa Flora. O Meandro é o segundo vinho da Quinta do Vale Meão, vendido por R$ 306, na Mistral, e o Quinta da Leda, elaborado com uvas da mesma propriedade, por um nada acessível R$ 1.819, na Zahil.