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Suzana Barelli

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Le Vin Filosofia

Le Vin Filosofia

O vinho entre a Primeira e a Segunda Guerra

Confraria se reúne para provar safras antigas, as primeiras de 1928. O melhor tinto é o do ano de 1940

Vinho & guerra é um dos livros mais interessantes para quem gosta de história e, claro, de vinho. Nele, o casal Don e Petie Kladstrup narra as aventuras dos franceses para esconder suas garrafas dos alemães durante a Segunda Grande Guerra. Muitos produtores foram bem-sucedidos nesta árdua missão – os melhores esconderijos foram as paredes falsas e das teias de aranha –, e ainda hoje há (poucas) garrafas que contam a história desta época. Algumas delas foram abertas recentemente no encontro de uma confraria paulistana liderada pelo médico Ricardo Ganc.

O tema eram os vinhos elaborados no período entre as duas grandes guerras, aproveitando algumas garrafas que Ganc e alguns amigos compraram décadas atrás e desde então descansavam em suas adegas. O convite para a degustação já fazia voltar no tempo.

SAFRAS E HISTÓRIAS

As duas garrafas mais antigas eram de 1928, sem o brilho da safra do ano seguinte, mas, ao menos no exame visual, em boas condições – em alguns anos muito significativos da história da humanidade, como o da crise econômica de 1929, resultam ao menos em safras incríveis. O ano de 1945, quando acabou a segunda guerra, é excepcional para os vinhos de Bordeaux, por exemplo.  Havia também uma garrafa de 1935, outra de 1940, e outras fora deste período, digamos, bélico, mas nem por isso jovens. A mais recente tinha quase 60 anos.

A começar pelo branco que dava as boas-vindas ao encontro: um riesling alemão da safra de 1959, quando o termo kabinet, que define uma das categorias do vinho no país, ainda era escrito com “c”. Servido às cegas (sem identificar a garrafa) o Schloss Reinhartshausener Cabinet 1959 conquistava pelas suas notas de frutas secas e muito mel, com uma acidez escondida e uma complexidade.

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As rolhas dos vinhos antigos, que mostram o sinal de evolução da bebida na garrafa Foto: Suzana Barelli

NA DÉCADA DE 1920

A dupla de 1928, o Château Talbot, de St. Julian, e o Mouton D’Armailhac, de Paiullac, foi a primeira a chegar à mesa, os dois muito turvos (os demais não estavam turvos, mas apresentaram, todos, longos halos de evolução, aquela marca ao redor do líquido, que dá pistas da idade do vinho). “É um período entre guerras, de poucas safras boas. Mas em 1928, o Mickey Mouse fazia a sua estreia nas telas”, lembra Felipe Campos, um dos participantes da confraria. O Talbot não durou muito na taça, com as suas de folhas secas e acidez, e logo perdeu a batalha frente ao oxigênio.

O Château Lafite Rotschild 1940, o grande vencedor dessa degustação às cegas (sem saber que amostra corresponde à taça) Foto: Suzana Barelli

Mas Mouton D’Armailhac 1928 mostrou presença e foi o segundo da noite, na opinião dos degustadores. Notas de figo seco, aromas defumados, couro, terra, em uma complexidade que durou até o final do jantar, realizado no restaurante Osso, em São Paulo e com o serviço atento do sommelier Ernesto Arahata, responsável também por definir a ordem dos vinhos. Em 1933, Cinco anos depois, essa propriedade foi adquirida pelo barão Philippe de Rothschild e passou a ser chamada como Mouton Baron Philippe. Com 70 hectares de vinhedos, é vizinha ao famoso château Mouton Rothschild.

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OS ANOS 1930 E 1940

Em seguida, chegaram a mesa as taças com o Château La Mission Haut Brion 1934, o ano em que Adolf Hitler e Benito Mussolini se encontraram pela primeira vez e quando Hitler se tornaria Führer, com grande aprovação popular. Na taça, o vinho mostrava que não era mesmo um ano para ser comemorado: notas de iodo, aromas medicinais, com desequilibrado no paladar. Valeu pela história.

Em seguida, chegou o Château Lafite Rotschild 1940, eleito o melhor do painel. Notas balsâmicas, com muitos aromas terciários, figo, couro, frutas secas, tabaco, sempre surpreendente, e com uma acidez que lhe trazia longevidade. “A colheita foi um pouco antes dos alemães invadirem a propriedade”, lembra Philippe de Nicolay Rotschild, membro dessa família francesa, com atividades na vinicultura e no mundo financeiro. E acrescenta: “tivemos sorte porque os alemães preservaram a propriedade.”

O PENETRA SURPREENDE

O painel contou ainda com um representante da Borgonha, o Nuit-Cailles Morin 1949, um côte de nuit, de Morin Pere & Fils, já no pós-guerra, mas que estava muito evoluído, e pouco brilhou. E um “penetra”, que deixou todos em dúvida de sua origem. Era um Barca Velha 1966, considerado um dos melhores vinhos tintos portugueses. Essa era a oitava safra do vinho, elaborado apenas em anos especiais, na época ainda pelo seu criador, o enólogo Fernando Nicolau de Almeida, no Douro Superior.

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O Barca Velha, muitas vezes eleito o melhor vinho de Portugal, foi o "penetra" na degustação e mostrou a sua capacidade de envelhecer com elegância Foto: Suzana Barelli

E para encerrar a noite com chave de ouro, o brinde final foi feito com a garrafa de número 136 do Don PX 1946, da Bodegas Toro Albalá, de Montilla-Moriles, região vizinha à Jerez, na Espanha. O destaque foi a sua alta acidez, que tornava o vinho de sobremesa (tem mais de 300 gramas de açúcar residual por litro) bastante equilibrado e longevo.

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