A gastronomia latino-americana está em evidência. Nestas duas semanas, tanto o The World’s 50 Best Restaurants 2023 como o guia Michelin elegeram os melhores restaurantes na região. E o vinho não ficou de fora destas homenagens.
No Michelin, que estreou a sua edição argentina, com avaliações em Buenos Aires e em Mendoza, dois dos premiados com uma estrela têm fortes ligações com o vinho argentino. O primeiro é o Casa Vigil, de propriedade de Alejandro Vigil, principal enólogo da vinícola Catena Zapata, sócio da El Enemigo e atual presidente da Wines of Argentina, e o Zonda Cocina de Paisaje, que fica dentro da vinícola Lagarde, os dois em Mendoza.
A MELHOR SOMMÈLIERE
No 50 Best, o destaque foi ainda maior. A sommelière também argentina Florencia Rey, de 42 anos, foi eleita a melhor da América Latina, por seu trabalho à frente do peruano Maido, coincidentemente o restaurante do chef Mitsuharu Tsumura, que foi eleito o melhor do ano na América Latina pela mesma premiação.
Há nove anos no Maido, Florencia migrou para o Peru em 2011, não muito depois de se formar sommelière na Argentina, e passou por bons restaurantes peruanos, como o premiado Central, antes de ser convidada para assumir a carta do Maido, casa que mescla a gastronomia peruana com influência japonesa. “Me pareceu um bom desafio de mostrar o meu trabalho e o que eu valorizo, com muita independência”, fiz Flor, como é mais conhecida. E acrescenta sobre o seu trabalho com Micha, o apelido de Tsumura: “acho que fazemos uma boa parceria”.
RÓTULOS LATINOS
A carta de vinhos com 350 rótulos e 17 opções em taças traz representantes da América Latina, como o branco argentino El Enemigo Semillón 2020 ou o uruguaio Reserva Sauvignon Blanc Sur Lie 2022, da Cerro Chapeu. Flor gostaria de ter mais vinhos da América Latina, México inclusive, mas lamenta que muitos rótulos não são comercializados com regularidade em Lima, onde fica o restaurante. “Temos muitos clientes estrangeiros que pedem vinhos locais”, conta ela. A valorização do Peru aparece não apenas nos vinhos como em outras bebidas do país e ganha mais destaque nos menus harmonizados.
Um exemplo é que o atual menu degustação conta com uma cerveja peruana e uma bebida fermentada da oxalis naranja, um tubérculo fermentado pelo peruano Manuel Choqque Bravo entre as bebidas que acompanham cada prato.
UVAS CRIOLLAS
Flor acompanha de perto o trabalho dos viticultores peruanos e fala do crescimento de qualidade. “Me encanta como os produtores dão visibilidade às uvas criollas. Elas trazem a identidade e a diversidade do país”, conta ela. O produtor Pepe Moquillaza, um dos mais conhecidos do país, conta que Flor, desde que chegou ao Peru teve contato com um vinhedo cultivado com a uva autóctone quebranta e acompanha o setor. “Ela é muito curiosa e sua harmonização é cada vez mais complexa e sólida”, destaca ele.
Flor, ainda, é daquelas sommelières que defendem que as harmonizações devem acontecer não apenas com o vinho, mas também com as demais bebidas. Assim, ela explora nestes casamentos gastronômicos muitas cervejas, chás e infusões, bebidas fermentadas, coquetéis, cafés e bebidas sem álcool. Ela tem até no restaurante a Girovap Destiller, uma máquina que permite tirar o álcool das bebidas. “É uma harmonização mais sensível, porque falta a base alcoólica, que dá suporte em muitas combinações”, destaca.
É a parte do menu que ela fala, nesta entrevista, com maior entusiasmo. Ensina que acrescenta alguma bebida gaseificada para dar textura. Ela também não adiciona açúcar nestas criações e conta apenas com a doçura da fruta, no caso dos coquetéis. Diz também que dá mais resultado para as suas criações retirar o álcool dos destilados, como rum e uísque, e vinhos tintos com muita passagem em barricas de carvalho não funcionam neste processo. “São ensaios, com erros e acertos”, resume.
MENU HARMONIZADO
Nos menus, a ideia é que receitas e bebidas tenham coerência, sem saltos abruptos de uma harmonização e outra. Atualmente, no menu de 11 etapas, 9 delas são acompanhadas pelo vinho. Mas ela gosta de quebrar regras. Num dos menus atuais, há um champanhe no penúltimo prato quando, normalmente, este nobre espumante francês entra como acompanhante dos primeiros pratos.