Champanhe é um capítulo a parte no mundo dos vinhos espumantes. Primeiro, porque a região demorou para assumir as borbulhas, que hoje lhe trazem fama. É conhecida a história de que os antigos viticultores, principalmente os monges que ocupavam a região, passaram décadas tentando acabar com as borbulhas, que teimavam em aparecer na primavera. Demorou até o século 17 para eles se renderem a elas.
Depois porque apesar de ter mais de 19 mil pequenos produtores, Champanhe é conhecida pelas grandes maisons, como Moët & Chandon, Veuve Clicquot, Bollinger, entre outras, responsáveis pela exportação de 90% da bebida. E, por fim, por ser mais vantajoso ao produtor – e há 19 mil pequenos viticultores em seus mais de 330 mil hectares de vinhedos – vender a uva ou o vinho do que comercializá-lo por conta própria.
SURGEM OS PEQUENOS
Mas às vezes o desejo de elaborar seu próprio champanhe muda esta lógica. Só assim para explicar o movimento de pequenos vignerons de fazerem os seus próprios espumantes, ao invés de venderem a produção para as maisons e as cooperativas, sempre sedentas de uvas. No final de novembro, por exemplo, a importadora Anima Vinum promoveu uma degustação com champanhes de 13 pequenos produtores, presentes no seu catálogo. A degustação foi inspirada na Fête du Champagne, evento realizado por um grupo de mais de 30 pequenos produtores para divulgar seu trabalho na França.
Nas taças, 13 estilos diversos da bebida, mas todos com a assinatura de champanhe, aquelas borbulhas pequenas e bem integradas ao líquido e as notas próprias de levedura e panificação. Um deles, o Dis Vins Secret, de Françoise Bedel, encantava pela sua untuosidade e persistência, e foi elaborado com a proposta de valorizar a pinot meunier (há três variedades principais na região e, entre elas, a pinot meunier é a que tem menos prestígio, mas este vinho mostra que ela pode ser encantadora). Outro, o Reflet D’Antan, se destacava pelas notas cítricas e pela cremosidade, resultado dos seus 54 meses de autólise (como é chamado o tempo que a bebida passa em contato com as leveduras), para ficar em apenas dois exemplos.
VINHO PRÓPRIO
No catálogo da importadora Cellar, seus três champanhes são de produtores que deixaram de entregar as suas uvas para as maisons e agora se orgulham de ter o seu próprio vinho, com o nome da família estampado no rótulo. O Arlaux, por exemplo, vendia as suas uvas para o champanhe Crystal, antes de se lançar em voo solo. Abriu mão de receber pelo menos 7 euros por quilo de uva logo depois da safra, para vender seus próprios vinhos que não chegam ao mercado antes de dois anos após a colheita (pelas regras de Champanhe, a bebida tem de ficar pelo menos 15 meses em contato com as leveduras, em sua segunda fermentação). Ao seja, trocam o dinheiro líquido e certo pelo desejo de ter um vinho para chamar de seu dali a pelo menos dois ou mais anos.
Na Belle Cave, a estrela é a Maison Louise Brison, vinícola familiar que conta com 13 hectares em Noé-Les-Mallets, em Aube, ao sul de Champanhe. E, cada vez mais, há mais exemplos destes pequenos produtores por aqui.
VINHO-BASE
“Nestes champanhes, há uma diferença sobretudo na viticultura, já que em geral são produtores orgânicos ou biodinâmicos, que insistem em colher as uvas saudáveis e maduras”, destaca Júlia Frischatak, sócia da importadora Cellar. Com as uvas próprias, eles apostam muito no vinho-base, como é chamada a bebida que surge da primeira fermentação (as borbulhas nascem na segunda fermentação, que em Champanhe precisa acontecer nas próprias garrafas). Muitos optam por fermentar em barricas de carvalho ou até mesmo estagiar a bebida nestes recipientes, o que dá mais estrutura e novos aromas ao seu vinho.
Este movimento começou na pequena maison de Jacques Selosse. Com 7,5 hectares, divididos entre a chardonnay, cultivada em Avize, e a pinot noir, na Montagne de Reims, os vinhos de Selosse logo ganharam fama pela sua pureza e intensidade de aromas. Sua proposta sempre foi a de elaborar champanhes que expressem a sua origem, em um movimento de valorizar o seu terroir que se aproxima da não distante Borgonha.