Peço desculpas por começar essa coluna com uma história pessoal. Em algum momento entre 2004 e 2006, roubaram uma garrafa do Château Margaux 2015 da minha adega. Meu maior suspeito é um técnico que foi arrumar um defeito neste eletrodoméstico. Imagino que apenas um conhecedor saberia identificar o melhor rótulo ali armazenado, uma garrafa quase escondida no fundo de uma das prateleiras mais baixas. Descobri o roubo meses (ou anos) depois e, na época, não tinha como provar, nem acusar, a empresa responsável pela manutenção. Sim, era o vinho mais valioso que eu tinha.
Imagino que acontecerá a mesma coisa com roubo de 83 garrafas de vinho que sumiram misteriosamente entre as mais de 300 mil unidades guardadas na adega do La Tour d’Argent. O roubo foi divulgado na semana passada. O restaurante, com vista privilegiada para o rio Sena e para a catedral de Notre-Dame, em Paris, é um ícone da cidade-luz. Fundado há 442 anos, a casa inspirou o filme Ratatouille e tem, entre suas inúmeras histórias, o fato de seus donos terem erguido uma parede falsa durante a segunda Guerra Mundial para esconder os melhores vinhos dos alemães.
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PREJUIZO DE R$ 8 MILHÕES
O Tour d’Argent não divulgou a lista dos vinhos roubados em algum momento depois de janeiro de 2020. Sabe-se apenas que, entre elas, havia safras antigas do Domaine de La Romanée-Conti e que o prejuízo é estimado em quase R$ 8 milhões. Não é pouca coisa. A adega é estimada em mais de R$ 150 milhões, e a carta de vinhos é apresentada aos clientes em em carrinho de chá, tamanho o seu peso.
O roubo foi descoberto durante um inventário da adega, que não era feito desde 2020. Segundo as informações oficiais, a polícia francesa não tem pistas sobre os larápios nem sobre o paradeiro dos vinhos, mas todas as garrafas tinham uma identificação em seu vidro, o que pode auxiliar nesta busca.
NA MIRA
O que se sabe, também sem dados oficiais, é que os grandes vinhos estão entrando na mira de quadrilhas especializadas. A explicação está na valorização destes vinhos ícones. Não encontrei a safra do meu Château Margaux no mercado brasileiro, mas a importadora Claret vendia (os estoques acabaram) por R$ 15.999 uma garrafa da safra de 2004 até o final do ano passado. A escassez destas garrafas e clientes dispostos a pagar um bom dinheiro por elas, mesmo desconhecendo sua origem, estimulam essas quadrilhas.
No noticiário internacional, vem aumentando histórias como essas. No final de novembro do ano passado, por exemplo, a polícia francesa evitou o roubo de dois caminhões que transportavam garrafas do champanhe Moët & Chandon no valor de 600 mil euros. Em cena cinematográfica, a polícia conseguiu identificar os caminhões na estrada e um dos motoristas pulou do veículo ainda em movimento e fugiu em um carro que o aguardava ao lado. A carga foi recuperada, mas os ladrões seguem em liberdade.
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45 GARRAFAS
Outro roubo que lembra cena de cinema aconteceu no restaurante do hotel Atrio, em Cáceres, Espanha. Um casal de supostos hospedes conseguiu roubar a chave da adega quando, após o jantar, fizeram uma visita guiada à cave. No final da noite, a mulher, que havia se hospedado com um passaporte falso, distraiu a equipe da cozinha com pedidos malucos de comida, enquanto o rapaz roubava 45 garrafas.
A dupla colocou as garrafas na mala e deixou o hotel ainda de madrugada. O golpe foi cuidadosamente planejado, já que o casal, como foi descoberto depois, havia jantado pelo menos três vezes no restaurante meses antes. O furto foi estimado em mais de R$ 8 milhões. O casal acabou preso meses depois na fronteira entre Montenegro e Croácia, mas as garrafas não foram ainda recuperadas.