A região de Champanhe, no norte da França, tem orgulho dos seus vinhos espumantes, zela muito por eles e por seu estilo único. Tanto que apenas os espumantes dessa região podem ser chamados de champanhe, o que foi obtido com diversos acordos internacionais ao longo dos anos. E também por isso os franceses ficaram tão contrariados com o decreto assinado na semana passada por Vladimir Putin, o presidente da Rússia, determinado que somente os espumantes elaborados em território russo podem ser chamados de champanhe em seu país.
Na regra russa, os champanhes franceses até podem ostentar este nome no rótulo, mas no contrarrótulo deve constar vinho espumante. Os produtores do país, no entanto, podem rotular suas garrafas como shampanskoye, que significa champanhe em russo. À declaração russa, o ministro do Comércio Exterior da França ameaçou levar o caso para a Organização Mundial do Comércio “se a situação assim o exigir”.
Neste primeiro momento, os produtores franceses optaram por ser políticos. Cancelaram os embarques agendados para a Rússia para adequar o contrarrótulo e evitar que as garrafas sejam barradas na alfândega. Mas não criticaram oficialmente o presidente russo. Com a pandemia, a venda de champanhe tem caído sensivelmente no mundo – no ano passado, a redução do volume vendido foi de 18% na comparação com 2019, devido às reduções das festas e comemorações.
O mercado russo é importante para os champanhes desde o século XIX, quando Barbe-Nicole Clicquot-Ponsardin, a madame Clicquot, ousou ao vender seus vinhos para os czares durante as guerras napoleônicas. O laranja do rótulo da Veuve Clicquot é, inclusive, uma homenagem a cor dos czares. E, segundo dados do Comité Interprofissional dos Vinhos de Champanhe, as exportações para a Rússia aumentaram quase 10% em volume em 2020, chegando a 1,9 milhão de garrafas. Em valor, a alta de 2%, para € 35 milhões.
Champanhe é uma apelação de origem controlada (AOC) deste 1936 e segue uma série de regras de produção. Além da origem das uvas, rendimentos máximos, entre outros parâmetros definidos pela AOC, seus vinhos espumantes precisam fazer a segunda fermentação – a que dá origem às borbulhas – nas garrafas e devem ficar pelo menos 15 meses do líquido em contato com as leveduras, ou o que restou dela, nas caves subterrâneas da região.
O solo da região, com muito giz, o clima muito frio e a segunda fermentação em garrafas estão entre os principais fatores que dão características únicas à bebida. No mundo, há diversos outros espumantes feitos pela mesma forma, mas não podem ser chamados de champanhe. Um bom exemplo são os espumantes ingleses, que se tornaram possíveis com as mudanças climáticas – atualmente, as uvas conseguem amadurecer no sul da Inglaterra, o que não acontecia até recentemente.
O Brasil também tem a sua polêmica com o champanhe. A justiça brasileira permite à Peterlongo elaborar um vinho espumante e chamá-lo de champanhe, já que ele é feito pela vinícola desde antes da criação da AOC francesa – outras vinícolas que começaram a elaborar seus espumantes depois de 1936 e colocavam a palavra champanhe no rótulo perderam este direito na justiça.
É um direito conquistado, mas há uma questão: o estilo do “champanhe” da Peterlongo em nada lembra o dos champanhes franceses. Assim, o consumidor que compra um Peterlongo não tem a experiência de degustar um champanhe ou pode pensar, de maneira errônea, que todos os champanhes têm o estilo do espumante brasileiro. O comité dos vinhos de Champanhe já fez diversas tentativas para convencer os proprietários da Peterlongo a deixar de usar este nome – uma das propostas seria a Peterlongo elaborar um espumante em Champanhe, mas não se chegou a um acordo. Procurada, a Peterlongo não se pronunciou sobre este tema.