“O cabernet franc está ‘très’ interessante. Estou surpreso com sua pureza e seu amadurecimento.” Essa frase, um elogio à cabernet franc cultivada no lado paulista da Serra da Mantiqueira, cresce em importância quando se conhece seu orador. Quem defende a variedade em terroir paulista, mais precisamente no Vale da Grama, é o enólogo francês Pierre Lurton, responsável não apenas pelo ícone Cheval Blanc, o tinto de Bordeaux que mais valoriza a cabernet franc, como também pelo Château D’Yquem. E, em Entre-Deux-Mers, também em Bordeaux, onde Lurton tem o seu projeto pessoal, o Château Marjosse, também há vinhedos de cabernet franc, que dão origem ao Anthologie de Marjosse Cuvée Ortolan (R$ 534, na Mistral).
E foi esse entusiasmo que levou Lurton a se tornar uma espécie de consultor informal do Casa Tés, projeto do advogado Pedro Testa em São Sebastião da Grama, em São Paulo, divisa com Minas Gerais. “É um envolvimento amigável. Nos vinhos, dou apenas a minha opinião como amigo e acompanho de perto o seu progresso”, define o enólogo francês. Os dois se conheceram por amigos em comum e nas duas ou três vezes que Lurton passa por São Paulo por ano (sua mulher é brasileira), ele aproveita para visitar o projeto, provar os vinhos e dar as suas sugestões, da poda aos blends.
NOVA SAFRA
O tinto da safra de 2022 é o primeiro exemplo de como essa consultoria informal de Lurton pode dar resultado. O Paladar provou o vinho com exclusividade e pôde notar as diferenças em relação à safra anterior. O primeiro ponto é que o 2022 é um tinto bem mais fresco, com destaque para as notas de frutas vermelhas também frescas e maior profundidade em boca, enquanto o 2021 é mais “pesado”, concentrado e de frutas mais maduras. Segue as tendências internacionais de vinhos mais equilibrados e não tão potentes.
Nas uvas, Lurton também sugeriu uma mudança no blend: em 2022, há apenas cabernet franc e merlot, enquanto 2021 tinha também 10% de cabernet sauvignon. “Não é o terroir de Bordeaux, mas as características da cabernet franc, principalmente, são promissoras no Vale da Grama”, diz Lurton. Seu destaque é para a maneira como a variedade amadurece, sem as notas mais verdes que a caracterizam em vários de seus vinhos mundo afora.
A nova garrafa acompanha essa mensagem, mas aqui o advogado Testa ainda precisa acertar no modelo – nem tanto a imponente garrafa de 2021 e nem tanto a simplicidade da atual. O vinho deve ser lançado em breve, com alocações pequenas para alguns restaurantes brasileiros e clientes. O preço ainda não está definido.
TERROIR DA ROÇA
O projeto é pequeno: são 7 hectares de vinhedos ainda jovens, cultivados com a técnica de dupla poda ou poda invertida (aquela em que irrigação e hormônios garantem que a videira dê frutos no inverno). Para Lurton, visitar os vinhedos do Vale da Grama é também uma maneira de conhecer mais sobre essa técnica de cultivo que faz as videiras produzirem frutos fora de época, mas em um período de pouca chuva e de maior amplitude térmica na região Sudeste e Centro-Oeste.
As vinhas são plantadas em um solo vulcânico, com porcentagens de granito e argila. “Nossa ideia é manter o projeto pequeno, chegando a 9 hectares no máximo”, diz Testa, que define o Vale da Grama como o “terroir da roça”, pelas suas características de interior paulista – do outro lado do Vale da Grama está a Fazenda Rainha, do café Orfeu, aquela que tem uma capela projetada por Oscar Niemeyer, e que pode ser avistada dos vinhedos.
Entre as variedades plantadas, estão as tintas merlot, a cabernet franc, a cabernet sauvignon e a syrah, e as brancas sauvignon blanc e sémillon. Na vinícola, há modernos tanques de concreto, em formato de ovo, e de inox. E neste ano a produção deve chegar a 12 mil garrafas. Agora é acompanhar a evolução dos vinhos.