O novo menu degustação do restaurante Maní surpreende pelos sabores e texturas, criados pelos chefs Helena Rizzo e Willem Vandeven, mas também pela harmonização proposta. Pela primeira vez, há duas opções de vinhos para acompanhar o cardápio de 14 pratos (não se assuste, as porções são pequenas). O clássico, assinado pela sommelière da casa, a Gabriela Bigarelli, e o Por Elas, proposto pela dupla de sommelières Daniela Bravin e Cássia Campos, sócias do bar de vinhos Sede 261 e do restaurante Huevos de Oro, em São Paulo.
“Criei o menu ‘por elas’ para desmistificar o serviço do vinho, que ainda é muito masculino”, explica Gabriela. A ideia é que a cada novo cardápio da casa uma mulher seja convidada para criar a harmonização com os vinhos. “Temos muitas mulheres no mundo do vinho, não é mais um mercado só de homens”, acrescenta Gabriela.
Harmonização de bebidas
Este primeiro menu, Cássia e Daniela trouxeram o conceito de que não apenas os vinhos, mas outras bebidas, alcoólicas ou não, acompanham a harmonização. Por exemplo: no menu do Maní, uma sidra biodinâmica de pera, a Authentique, de Eric Bordelet, foi a escolhida para combinar com o interessante prato com língua, berinjela, tucupi e ora-pro-nóbis. E não é que harmoniza!
Outra ousadia deste casamento foi colocar um vinho de muita doçura residual, o riesling Schloss Lieser Niederberg Helden Thomas Haag, para casar com o fígado de galinha com polvilho, nibs e mel de cacau. Aqui, a dificuldade foi menos a harmonização do prato com o vinho, mas sim manter a harmonia do cardápio, com vinhos que vão crescendo em complexidade a cada novo prato (este é um conceito importante em menus com vários vinhos).
O riesling doce é o terceiro vinho do menu, que começa com dois espumantes brasileiros secos e, depois dele, as próximas taças também são de brancos secos. O risco é ter um choque no paladar, entre as notas mais secas e o toque doce. Mas funcionou, assim como o jerez (vinho espanhol fortificado) Tio Diego Amontillado, que precede um pinot noir chileno, o Los Parientes, de Francisco Baettig, teoricamente de corpo mais leve, também cumpriu muito bem a sua função.
No salão
A ousadia do trio, aqui a própria Gabriela e a dupla convidada, nesta harmonização abre espaço para se perguntar por que ainda são poucas as sommelières no serviço de bebidas salão. Já não há a tensão de décadas atrás, quando não raro os clientes dos restaurantes mais clássicos se recusavam a ter seus vinhos servidos por mulheres – o Fasano, vale lembrar, ainda tem apenas homens no serviço do seu elegante salão.
Mas a presença feminina em sala, mesmo em número crescente, ainda esbarra em diversas questões de gênero, talvez na crença de que apenas um homem vai segurar a rotina de um salão ou que uma mulher não dará conta de carregar uma caixa de vinho. Ledo engano! E o menu “por elas” é uma prova disso. “Foi uma harmonização com pratos, mas também entre nós, na conversa e na escolha dos vinhos”, conclui Gabriela.