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Suzana Barelli

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Le Vin Filosofia

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Vinte safras contam uma história

Degustação comemorativa do vinho Altair, das safras de 2003 a 2023, mostra a evolução dos tintos ícones do Vale de Cachapoal, no Chile

Degustações verticais são a melhor maneira de contar a história de um vinho. Nelas, são provados o mesmo vinho elaborado em anos diferentes (daí o termo vertical), o que revela as mais variadas sutilezas de casa safra. Foi esta a maneira encontrada pela vinícola Altair para contar os primeiros 20 anos de sua existência no vale de Cachapoal, bem aos pés da Cordilheira dos Andes, no Chile, e do seu tinto premium, também chamado de Altair.

A história começa em 2002, quando nasce a parceria entre os franceses do Château Dassault (os mesmos do avião Mirage), com vinhedos em Saint Emilion, e a chilena Viña San Pedro. Assim como aconteceu no Almaviva, com a joint venture entre o Château Mouton Rothschild e a Concha y Toro, os franceses visitaram os diversos vinhedos chilenos do seu então novo parceiro até eleger onde plantar.

OS ANDES

No Almaviva, a decisão foi por Puente Alto, próxima a Santiago, mas os franceses do Dassault optaram por Cachapoal, um vale menos explorado pelos produtores de vinho, e bem aos pés da Cordilheira dos Andes. Os vinhedos são cultivados entre 450 e os 600 metros de altura do nível do mar, e os Andes não apenas compõem a paisagem como influem no clima e solo, definindo o perfil deste tinto, que chega ao Brasil importado pela Grand Cru (a safra de 2019 é vendida por R$ 999,90).

O Altair nasceu pilotado pela enóloga Ana Maria Cumsille, que hoje está à frente da também chilena Viña Carmen Foto: Suzana Barelli

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“É um solo muito diverso, conforme as suas origens geológicas e geomorfológicas”, explica Gabriel Mustakis hoje o principal enólogo do projeto, que tem a sua disposição um arsenal de instrumentos para a elaboração do vinho. Está certo que o vinho se faz no vinhedo, o que é quase um mantra repetido pelos enólogos, para indicar a importância da uva na qualidade do vinho final.

Em uma construção de pedras, integrada à paisagem, a vinícola impressiona pela quantidade de instrumentos para uma boa vinificação. Desde um galileu (como é chamado um tanque de concreto redondo) rotatório, ao tanque de granito, em formato oval, e às ânforas italianas, entre outros tanques e barricas de carvalho em formatos e materiais diferentes. São todas ferramentas que permitem ao enólogo trabalhar melhor o vinho, afinando as suas arestas e valorizando as suas qualidades.

VINHO E MULHERES

O Altair nasceu pilotado pela enóloga Ana Maria Cumsille, que hoje está à frente da também chilena Viña Carmen. Mas no início dos anos 2000, não era nada usual uma mulher dirigir uma vinícola. Ana Maria começou com ousadia, propondo, na primeira safra de 2002, um vinho com muito cabernet sauvignon (86%), mesclado com carménère (7%) e merlot (7%), e que amadureceu por 15 meses em barricas de carvalho francês novas. Mas foi o único Altair não provado nesta degustação comemorativa. A produção foi pequena e não há mais garrafas em estoque.

Da série histórica também faltou a de 2012, a única em que as uvas não atingiram a qualidade para um ícone e o vinho não foi elaborado. O clima não ajudou, mas foi também um ano complicado com troca de equipe. Ana Maria saiu em 2011, dando lugar a dupla de Gonzalo Castro e Marco Pujol, que ficou até 2017, quando Mustakis assumiu e elaborou sua primeira safra em 2018.

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Degustação comemorativa do vinho Altair, das safras de 2003 a 2023, mostra a evolução dos tintos ícones do Vale de Cachapoal, no Chile Foto: Suzana Barelli

PROVA VERTICAL

A prova vertical começou com o tinto de 2003, um corte de cabernet sauvignon (71%), syrah (17%), carménère (6%) e cabernet franc (2%), com os mesmos 15 meses de barrica. Ao longo da história, o Altair é sempre um vinho elaborado com duas a cinco variedades, que são mescladas pelas suas características daquela safra. O 2021 (que foi o melhor de todo o painel) tem apenas as cabernet sauvignon e a franc; mas são utilizados também a syrah, a carmenere e petit verdot, conforme o ano. A merlot, utilizada apenas na primeira safra, não se mostrou promissora nas safras seguintes.

Ao longo das taças, a história do Altair começa com um caminho de procurar tintos mais potentes, o teor alcoólico não parece ser um problema (nos primeiros anos, chegou aos 15,1%). A vinícola também divide a história em fases. A primeira, chamada de clássica, vai do início até 2006. De 2007 a 2011 é a fase de construir a sua identidade, quando o tempo em barricas passa para 10 meses, indicando que os taninos, potentes do seu início, já era domado nos blends.

Em 2012, com a chegada de Pujol e Castro, começa também uma fase de investigar o terroir, com aumento da participação da cabernet sauvignon no blend (sempre com mais de 80%). Há também um maior entendimento do que é ter um vinhedo bem aos pés da cordilheira, que resulta em um clima mais frio, que significa uma lenta maturação das uvas.

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Com a chegada de Mustakis, há uma maior elegância, consolidando a supremacia da cabernet sauvignon. As safras de 2022, ainda não lançada, e a de 2023, que ainda está em elaboração, mostra que o caminho é um ajuste fino em nome da qualidade. Espera-se agora os próximos capítulos.

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