No Concurso Mundial de Sommelier, que terminou no último domingo com a vitória de Raimonds Tomsons, da Letônia, uma prova causou estranheza. Os candidatos da semifinal tinham de identificar, apenas na degustação às cegas, cinco bebidas sem álcool ou de baixa graduação alcoólica e, em seguida, propor um menu gastronômico que harmonizasse com elas.
Reconhecer as bebidas já não era fácil – nas taças, estavam um kefir à base de água, uma bebida probiótica, levemente adocicada; um kombucha, que é fermentado a partir do chá verde, e um tepache, espécie de coquetel de origem mexicana com abacaxi, água, açúcar mascavo, parcialmente fermentado. Havia também o Geisha Café Finca Deborah, uma variedade de café de notas mais florais, originário do Pananá, e a amazake, bebida japonesa quente, de sabor adocicado e baixo teor alcoólico, elaborado pela fermentação do arroz. “Nunca provei a maioria destas bebidas e algumas tive de pesquisar sua história”, conta o sommelier Eduardo Araújo, do The Wine Pub, em Florianópolis (SC) e um estudioso do mundo dos vinhos.
Dificuldades à parte, a prova mostra que a ASI, sigla da Association de la Sommellerie Internacionale, está bem antenada com as tendências de mercado. Vem crescendo, principalmente na Europa, o número de consumidores preocupados com o consumo excessivo de álcool. O movimento Dry January, que propõe não ingerir bebidas alcoólicas em janeiro, é o mais conhecido, mas não o único. “Esta nova geração é mais consciente em relação aos malefícios do álcool. Eles optam por variar o consumo de bebidas com ou sem álcool”, afirma Rodrigo Lanari, que representa no Brasil o grupo inglês IWSR, de pesquisa e consultoria em bebidas.
Pesquisa da IWSR com os consumidores brasileiros mostra que evitar os efeitos do álcool, estar no controle da situação e pensar em bebidas alternativas quando está dirigindo são algumas das razões que explicam esta tendência. Mas Lanari destaca que no Brasil este mercado ainda é muito pequeno e é dominado pelas cervejas sem álcool e, depois, pelos coquetéis.
O sommelier Diego Arrebola, que ajudou a treinar Luís Otávio Cruz, o candidato brasileiro para esse concurso, defende a questão na competição, que é conhecida pelo rigor das provas práticas e teóricas, mais difíceis a cada edição. “Tem um público para estas bebidas e, como sommelier profissional, não podemos ignorar uma tendência”, afirma ele. Para criar o menu, os sommeliers deviam seguir as regras básicas de qualquer casamento gastronômico, que é pensar nos componentes centrais da bebida e do prato, independentemente de ter ou não o álcool presente, como as características aromáticas, o corpo e a acidez. “Em comum, eram todas bebidas fermentadas”, destaca Arrebola.
Eduardo Araujo se arrisca a sugerir algumas harmonizações. Ele colocaria o water kefir na função de limpar o paladar entre o prato principal e a sobremesa. “Adicionaria uma frutinha ácida para saborizar o kefir”, diz ele. Para o kombucha, ele pensa em queijos, também no final da refeição. O tepache, diz Araújo, combina com queijos azuis, pelo seu toque adocicado. “Mas pode funcionar até mesmo as tradicionais comidinhas picantes do México, com a função de refrescar e, com sua leve doçura, quebrar a picância do prato”.
O café Geisha que, por coincidência ele provou na semana passada, o sommelier serviria como espresso, acompanhando uma tartelette de frutas vermelhas. O amazake seria utilizado como uma calda de uma sobremesa, pela sua doçura. A sugestão está feita.