Era uma tarde chuvosa quando íamos nos despedindo do sítio em Fartura, interior de São Paulo, onde meus pais moraram por um tempo e haviam vendido de porteira fechada. Já na hora de ir embora e olhar melancolicamente para trás por uma última vez, me lembrei de algo que gostaria de levar dali – uma muda da banana figo. Ou marmelo, que seja. Sempre fui fascinada pela aparência daquela banana bojuda, amarela às vezes manchada de vermelho, com quinas bem marcadas e a casca grossa e flexível imitando couro costurado com barbante.
Fui até a roça de café onde estava o bananal, com um balaio e enxada, e tirei pedaço de um rizoma. Em São Paulo, a muda ficou encostada à sombra no quintal sem ter destino certo. Onde plantaria uma bananeira? Até que tive a ideia de plantar na praça. Não se pode ficar plantando bananeira por aí, por isso Marcos e eu fomos lá discretamente numa noite silenciosa de terra molhada, fizemos uma boa cama pra ela, cercamos com estacas e saímos de fininho. A muda começou a vingar e lançar folhas, veio o jardineiro da prefeitura com sua fatídica roçadeira e tchau bananeira.
E assim foi acontecendo sucessivamente por uns dois anos. Até que um dia compramos nossa própria chácara, quisemos ter nossa própria banana marmelo e tivemos a brilhante ideia. Como não se pode ficar vandalizando bananeiras por aí, fomos até a praça numa noite quieta e úmida com enxadão e roubamos de volta a bananeira castigada.
Para encurtar a conversa, aí estão as bananas que colhemos da nossa terra em Piracaia. Só então pude testar as técnicas de preparo que conhecia, pois não é o tipo de banana que a gente encontra nos mercados. Em compensação ela costuma aparecer em feira de produtores orgânicos. Procure na Quitandoca, no Instituto Chão, na feira de orgânicos no Parque da Água Branca, no pavilhão de frutas do Ceagesp ou num Sacolão perto de sua casa. Quem sabe a demanda estimule a produção. Está certo que a produção é demorada – os frutos demoram quase meio ano para amadurecer –, mas é uma bananeira rústica eresistente à sigatoca negra, uma praga causada por fungo que assusta produtores.
Como diz minha amiga Janaína, nossa dieta é editada. Tanta variedade por aí e a gente conhece só o que é conveniente ao mercado nos mostrar. Mas andando por aí vi a banana marmelo sendo chamada por nomes diferentes, preparadas de formas inventivas e sendo apreciada por todos que a conhecem.
Em São Roque de Minas, na Serra da Canastra, a Romilda me preparou a banana três-quinas, como é chamada por lá, frita no óleo, com o queijo local derretido por cima e polvilhado com canela. Consegue imaginar como pode ser bom? Foi da Canastra também que veio minha outra muda desta banana. O queijeiro Zé Mário me deu uma muda que ele mesmo preparou deixando um pedaço do broto, que ocupou uma caixa da altura das minhas pernas. Viajou de ônibus e depois de avião e chegou bem. Agora faz companhia para a muda de Fartura.
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Na Ilha do Marajó, a banana é conhecida como banana sapo e foi feito com ela o melhor mingau que já comi até hoje. Dona Jerônima ralou a banana ainda verde e foi cozinhando no leite de coco. Ia juntando o líquido aos poucos. Engrossava, juntava mais. Três bananas de três quinas foram cozidas em 3 litros de leite de coco e adoçadas com 3 colheres (sopa) de açúcar e uma pitada de sal. O creme claro, cremoso e granulado parecia ter sido feito com aveia.
Já em Goiânia, a banana marmelo é vendida nas feiras livres e se fazem com os frutos bem maduros doces cremosos, compotas ou de corte, vermelhos como magia. Igual ao verde cambuci que faz geleia rubra como a de pitanga. Muitos goianos têm técnicas diferentes para se chegar à cor vermelha. Uns dizem que o responsável é o tacho de cobre. Outros, que é o longo tempo de cozimento. Ou ainda o fato de ligar e desligar o fogo, deixando apurar bem devagar ao longo do dia. Alguns dizem que é por passar a banana madura em peneira de arame. O fato é que muitas técnicas diferentes chegam a um doce bem vermelho e parece ter que ver com o tanino e a longa exposição ao calor. Se bem que vi receitas que levam junto gelatina de morango colorida artificialmente. Mas isto deve ser para não frustrar a expectativa de quem não tem prática nem paciência.
Visitando uma das feiras de Goiânia, não resisti quando vi um lindo cacho da banana já madura. Os dias foram passando e as bananas foram ficando cada vez mais maduras e moles dando a entender que ou eu dava um jeito de cozinhar aquela banana no hotel ou não resistiriam até chegar a São Paulo. Sem ter onde preparar, usei a base quente de uma cafeteira elétrica do quarto. Tirei a jarra de vidro e coloquei em cima a banana com casca. Quando pretejou, abri a casca que estava íntegra e comi o creme doce com um fio de mel. Comida conforto para nunca mais esquecer.
Seu nome científico é Musa acuminata × balbisiana, híbrida da Musa acumilata com Musa balbisiana, originária das Filipinas, onde é conhecida por sapa banana. Além de figo e marmelo, Brasil afora, recebe vários outros nomes, como couruda, banana tanga, banana jasmim, banana figo, banana pão, banana de cozinhar, banana de fritar, só pra citar alguns. Não costuma ser consumida crua como as outras. A massa da banana madura, embora doce e comestível mesmo crua, é mais amilácea, pedindo cozimento ou fritura. Aí sim o sabor fica muito mais acentuado e agradável.
É a variedade de banana mais popular entre os filipinos e outros países asiáticos. A polpa pode ser usada verde como qualquer banana, como fonte de amido. Quando está amarelada, não totalmente madura , depois de cozida lembra a textura de uma mandioca ou batata e pode ser usada como se fosse uma delas. Já quando está madura, mas ainda firme, presta-se a uma infinidade de pratos salgados, com uma presença discreta do sabor das bananas e textura de fruta-pão. Cozida ou assada na casca, aberta e coberta com uma colherada de manteiga, pode substituir o pão no café da manhã e nos lanches.
Para fritar é bom que esteja mais madura porque terá mais açúcar que vai caramelizar com o calor e assim uma mesma técnica de preparo pode ser usada para pratos salgados ou doces. Diferente da banana d’água ou nanica, não precisa ser empanada para fritar. Mesmo madura, ela fica cremosa, mas íntegra, depois de frita, assada ou cozida. Uma fatia de queijo canastra por cima das fatias ainda bem quentes, por exemplo, fará um ótimo lanche, acompanhamento ou entrada. Já o mesmo preparo, mesmo com queijo, apenas polvilhado com açúcar e canela, vira uma sobremesa deliciosa.
Como colhi um grande cacho da banana, pude fazer várias experiências, como a “banana ao murro”. Assim a chamei depois de ter achatado um exemplar bem maduro entre duas folhas de plástico (até ficar com 1 centímetro de espessura) e fritado num fio de ghee ou manteiga clarificada até que ficasse bem dourada. Coloquei mel de uruçu amarela, raspas de limão e canela e Nhac! Mas já vou avisando: é difícil comer uma só.
Também embalei bananas maduras em papel de arroz umedecido e fritei para comer com mel de jataí. Além disso, fiz nhoque, spätzle, purê, sopa e congelei o restante. Aliás, congelam muito bem em qualquer fase de maturação dentro da própria embalagem. A casca é firme como couro e dificilmente se rompe. Para descongelar, basta retirar do freezer uns 30 minutos antes do preparo. Foi fazendo um corte na banana congelada que tive a ideia de rechear com carne de porco. Assim que encontrar um cacho dando sopa por aí, experimente.