Aproveito o assunto abordado pelo colega Roberto Smeraldi em sua última coluna no Paladar, já que cogumelo é um tema que me interessa – especialmente os cogumelos ianomâmi que têm frequentado minha cozinha em vários experimentos.
Smeraldi mencionou os cogumelos quando escreveu sobre o botânico inglês Ghillean Tolmie Prance, que em 1968 esteve em Auaris entre os sanöma, povo ianomâmi, para pesquisar plantas e se deparou com mulheres que coletavam e traziam cogumelos embrulhados em folhas de bananeira quando voltavam da roça.
No 16º Congresso da Sociedade Internacional de Etnobiologia, realizado em agosto, em Belém, o pesquisador – hoje com 81 anos e convidado para uma mesa redonda sobre gastronomia e biodiversidade organizada pelo Instituto Socioambiental (ISA) e pelo Instituto Atá – reencontrou Resende Sanöma, neto de uma das mulheres fotografadas na década de 1960, causando grande comoção.
Na ocasião, foi apresentado o projeto sobre os cogumelos, uma parceria da comunidade sanöma com o ISA e o Instituto Atá, para a produção e a venda de um mix de espécies desidratadas. São cerca de dez tipos de cogumelos colhidos pelos sanöma, desidratados, triturados e vendidos no site do ISA (www.socioambiental.org) e no box Amazônia/Mata Atlântica do Mercado Municipal de Pinheiros, com renda revertida para a comunidade indígena.
Então, quem pensa que coletar cogumelos espontâneos é coisa de europeu, saiba que este é, desde sempre, hábito dos indígenas nativos desta terra, guardiões do conhecimento sobre plantas, animais e cogumelos comestíveis da floresta.
Os sanöma são um dos cinco grupos do povo ianomâmi, cerca de 3.000 pessoas divididas em 19 comunidades na região de Awaris, na Terra Indígena Yanomami, que fica no extremo oeste de Roraima. Nesta região, os cogumelos são coletados em áreas de capoeira, onde antes havia plantação de subsistência. Depois de 2 a 4 anos usada para cultivo, esta terra é deixada em descanso para se regenerar, restando ali vários troncos de madeira em decomposição. É neste ambiente que crescem muitos dos cogumelos cultivados e de onde são colhidos geralmente pelas mulheres.
Quando frescos, na época da chuva, são assados embalados em folhas de helicônias, zingiberáceas e marantáceas, por exemplo, para comer com banana verde assada na brasa. Já na época da estiagem, colhem os cogumelos secos e cozinham em água e pimenta para fazer caldo aromático engrossado com beiju.
O livro Ana Amopö Cogumelos – Enciclopédia dos Alimentos Yanomami (Sanöma), do Instituto Socioambiental em parceria com a Hutukara Associação Yanomami e ganhador do 59º Prêmio Jabuti na categoria Gastronomia e Ciências Sociais, é parte deste projeto de pesquisa dos cogumelos ianomâmi, com o objetivo de valorizar o conhecimento indígena e gerar renda.
Entre os sanöma, os cogumelos mais apreciados são das espécies Lentinula raphanica, Favolus brasiliensis e Polyporus philippinensis. Tentando identificar os cogumelos que encontro no bairro da Lapa, em São Paulo, onde moro, descobri que temos por aqui o mesmo Favolus brasiliensis, presente em todo o litoral do Brasil, sobre troncos caídos em fase de apodrecimento. Colhidos na horta comunitária, usei para fazer caldo com pimenta engrossado com beiju de mandioca à moda dos ianomâmi. E ficou delicioso, claro.
Sorte que, quando não se tem por perto estes cogumelos frescos, a gente pode recorrer ao mix comprado, inteiro ou em pó. Eu prefiro comprar em pó, que é versátil na cozinha e confere um sabor umami impressionante a pratos salgados de toda natureza – funcionando como um realçador de sabores.
Experimente misturar o pó a sal e pimenta-do-reino e polvilhe em abundância sobre uma carne de cordeiro a ser assada. Ou deixe hidratando em um pouco de água por cerca de 1 hora e junte a refogados de cogumelos frescos ou a cozidos de qualquer carne que levem em seu caldo vinho, tomates, ervas e alho. Nos risotos, massas e sopas, o pó pode ser usado como funghi secchi. O processo de secagem envolve o uso de calor a lenha, por isso o pó tem um sabor defumado. Pode ser refogado com cebola, cenoura e salsão para temperar assados e refogados de vegetais, como ragu de berinjela ou cozido de lentilhas.
Gosto de refogar o pó em manteiga com cebola, juntar macarrão de massa curta e água para cobrir. Em fogo baixo, cozinho até que a massa esteja macia e sobre um pouco de molho denso. Se precisar, junto mais água quente conforme a massa vai cozinhando, para que não segue e que fique sempre coberta com o caldo. Por fim, junto salsa picada e assim tenho um delicioso prato de macarrão com molho de cogumelos feito numa panela – veja receita ao aqui.
O fato é que não há outro tempero que se misture tão amigavelmente a vários tipos de ingredientes – ao mesmo tempo que realce o sabor tão complexamente – como o pó de cogumelos. Tenha-o sempre por perto e nunca mais precisará usar suspeitos caldos em cubos e outros realçadores de sabor refinados.