É tentador explorar com palavras os sentidos ativados quando atolamos os dentes na massa suculenta e doce, algo ácida, de uma jabuticaba. Mas muitos cronistas e poetas já o fizeram. Portanto, sejamos pragmáticos.
Imagino que todo brasileiro já tenha visto uma jabuticabeira florida e depois frutificada. Quem não viu, ponha na lista, é obrigatório. Afinal, a Myrciaria jaboticaba é cultivada em todo nosso território. É uma árvore boa de ter em quintais e pomares domésticos, pela beleza da florada e gostosura dos frutos, bons de comer no pé.
Como outras fruteiras tropicais, a jabuticaba tem safra curta, apesar de duas por ano – na primavera e no verão –, e estraga rápido. Isso faz com que haja grandes perdas. De um modo geral, temos pouca cultura de aproveitamento integral dessas frutas, talvez pela abundância da safra que nos faz, de boca cheia, perder a razão e o senso de provisão.
Gostamos de jabuticaba fresca, de preferência sabará ou pingo de mel, direto do tronco, primeiro o que tem e depois o que vem. Mas quem dá conta de comer tanto? E comprar na caixinha parece que perde metade da graça. O que não se perde nunca é o alto teor de antocianinas – compostos antioxidantes que conferem aos vegetais tons do vermelho ao azulado.
É a mesma substância presente nas uvas escuras e nos vinhos tintos, que a gente aprendeu que faz bem para a saúde. No caso das uvas, a antocianina vai para o vinho, enquanto a casca da jabuticaba costuma ir para o lixo, pois comemos só a polpa.
A sorte é que não faltam pesquisadores para comprovar os efeitos benéficos da casca, para estudar melhores métodos de secagem e conservação e para inventar formas para aproveitamento alimentar, fitoterápico e cosmético. Por isso já se encontram por aí casca da fruta liofilizada, barrinha de cereais colorida, casca passa, aguardente, fermentado, vinagres, além dos preparos caseiros tradicionais como geleias e compotas.
Uma coisa que tenho feito quando me deparo com grande quantidade da fruta é desidratar as cascas e guardar para fazer chá com especiarias. Lavo, espremo uma a uma e uso a polpa para fazer suco. As cascas, abertas pela metade e bem espremidas, coloco sobre uma peneira forrada e coberta com voal e deixo secar ao sol. Ou, se o tempo está úmido, seco no forno, com fogo baixinho e a porta entreaberta, remexendo para secar por igual. Quando estão bem secas, sem perder a cor, guardo em saco de papel. Se restar alguma umidade, vai terminar de secar. Quando quero um chá de frutas vermelhas com especiarias, pego um punhado de casca, um cravo, um pau de canela, uma rodela de gengibre, uma vagem de cardamomo e fervo. Bebo quente ou como refresco, com gelo e rodela de limão. Além de saudável, tem cor linda e sabor delicioso, perfumado.
E essa infusão colorida de jabuticaba, mais ou menos apurada, com ou sem especiarias, pode ser usada de muitos jeitos: no lugar de água para hidratar o polvilho da tapioca, por exemplo; completando o vinho no vinho quente ou a cachaça no quentão; serve para fazer gelatina colorida e sorvetes mais nutritivos para as crianças; e para fazer esse sagu sem vinho que adaptei de uma receita alcoólica que aprendi com a chef Mari Hirata.
Se acontecer de você não ter tempo de aproveitar toda a jabuticaba na safra, lave bem enquanto ela está bem fresca, congele a fruta inteira e você terá as cascas para aproveitar depois, além de poder chupar cada uma como sorvete encapsulado.