É interessante conversar com o chef português Rodrigo Castelo, laureado com uma estrela Michelin e um selo verde por seu trabalho no Ó Balcão na última terça-feira, 27. Afinal, Castelo tem um jeito tímido, com um sorriso acanhado no rosto. No entanto, ao falar sobre seu trabalho e comida, deixa transparecer um brilho no olhar. Mesmo estando em um momento de alta, reconhecido pelo Guia Michelin, mostra que ama de verdade o que faz.
Essa personalidade de Rodrigo, distinguível em alguns minutos de conversa no meio de uma feira barulhenta e caótica em Lisboa, se reflete também na proposta do Ó Balcão, um pequeno restaurante na cidade de Santarém -- geralmente fora da rota turística de quem está viajando por Portugal. O local é tímido e pequeno, com apenas 29 lugares. O serviço geralmente faz apenas um giro no almoço e no máximo dois, se der tempo, no jantar.
Nada ali é exageradamente chique ou chamativo. O máximo que Rodrigo faz é colocar uns pratos portugueses numa parede verde e, no banheiro, deixa o som de um antigo programa de humor rolando na caixa de som. O serviço é eficiente, sem aquela elegância robótica.
É um trabalho que já se prolonga há 10 anos, com Rodrigo sempre em busca do melhor caminho para apresentar a gastronomia de Portugal e da sua cidade. Alcançar a estrela, agora, é consequência disso. “Era algo que a gente queria muito”, diz o chef, em entrevista. “Damos o nosso melhor todos os dias, mas era algo que queríamos há muitos anos. É um trabalho muito devagar, focado na sustentabilidade. Acreditamos e veio quando tinha que vir. Nós somos do tamanho do nosso sonho. Por isso, penso todo dia em ser melhor”.
Menu do Ó Balcão
O que impressiona, no final das contas, é a comida. É a explosão de sabores na boca, nascendo de ingredientes simples e que valorizam o insumo, celebrando também a região.
Tudo começa no couvert: ao lado de um cestinho de pães (4,70 euros), chega uma deliciosa maionese feita no alho (3 euros), azeite português Castelo 13 (3 euros) e, o mais gostoso de todos, pequenos camarões de rio secos para comer como se fossem snacks (3,50 euros). Apesar do preço alto para um couvert (cobrar o azeite, por exemplo), abre o apetite.
Depois disso, vale pedir uma caixa de snacks à escolha do chef (13 euros), que varia de acordo com o dia. Dentre as delícias, macaron de iscas de cebolada, charuto de abóbora com escabeche de coelho e, o mais surpreendente, um taco de javali que explode de sabores na boca: além do sabor forte da carne de caça bem preparada, bastante pimenta.
Se você quiser mais uma experiência no meio do caminho entre você e o prato principal, é interessante a seleção de frios do chef -- ainda que não seja para todos os gostos já que tem, por exemplo, língua fatiada bem fininha e bottarga. Alguns amam, outros detestam.
O fato é que, nessa altura, você já está apaixonado pela comida ali apresentada. Tudo é feito com calma pelos chefs e pelos garçons, que não tentam apressar a experiência em momento algum. Há cuidado em explicar o que é cada coisa e a história por trás de pratos e bebidas -- é bonita a explicação do vinho, por exemplo, que é inspirado no pai do chef.
“Todo nosso menu, claro, é pensado. Nós pensamos, cozinhamos, testamos. Quem vai ao Ó Balcão, sabe que nosso menu é o que nos alimenta”, diz o chef. Ele acrescenta, também, como a sustentabilidade é importante em seu trabalho. “Gostamos de ir buscar na horta e depois devolver à horta o pouco desperdício que temos. Trabalhamos com 19 espécies de peixe de água doce diferentes, vindos do rio Tejo. Também com javali, grande devastador”.
É quando começam os pratos principais, porém, que as coisas vão para um nível muito superior. Foi ali que tive a certeza de que ouviria o nome do chef na Gala Michelin dali a algumas horas, subindo do Bib Gourmand (que é de custo-benefício) para alguma estrela.
Tem pratos veganos tão finamente acabados que você nem sente a falta de carne (A Nossa Horta de Biológica); tem arroz preparado com um molusco bem típico dali (Arroz de Lingueirão); assim como a tal lombeta com arroz cremoso de coentros de limão, preparada por 24 horas. Todos os pratos pra comer rezando -- e pagando 24 euros por cada um deles.
No final da conversa, é difícil não perguntar para Rodrigo como ele pensa o futuro de seu restaurante -- mais lugares, mais unidades, mais trabalho? Ele é taxativo. “Meu restaurante já teve 40 lugares, mas redefinimos a estratégia há cinco anos para ter um foco no cliente para que assim todos possam desfrutar”, explica. “Não quero aumentar a lotação do restaurante. Penso em ser feliz. Nossa missão é ser um bocadinho melhor a cada dia”.
* O repórter viajou a convite da TAP e do Visit Portugal.