Hoje é comum no mercado de bebidas que a maioria dos destilados tenha uma graduação alcoólica de 40% Alc. Vol., com a cachaça não é diferente. A grande maioria das marcas de qualidade giram em torno desse volume.
Explicar o porquê disso não é uma tarefa fácil. Envolve cultura, tradição, economia, legislação, questões fiscais, tecnologia, química e ciência. Ufa!
Durante muito tempo, durante os séculos XVI e XVII, as bebidas destiladas foram parte da vida da maioria das pessoas. Se você pesquisar sobre a história dos destilados vai achar diversas referências aos navegadores e marinheiros, pois era uma tradição que todos recebessem uma cota de bebida. No início era vinho ou cerveja, mas com a popularização dos destilados, rapidamente os marinheiros passaram a receber sua cota em rum, cognac e cachaça, dependendo de sua nacionalidade.
Porém, essas bebidas tinham uma alta graduação alcóolica, acima de 50% e algumas vezes ultrapassando os 57%. Essa graduação alcóolica ficou conhecida como "navy strength", ou seja, "força da marinha". E essa tradição se manteve por muito tempo, praticamente até o final do século XIX e início do século XX.
Com uma graduação alcóolica tão elevada não era de se espantar que vivíamos uma rotina de problemas de saúde pública e sociais. O álcool corria solto pelas ruas e estabelecimentos e erámos praticamente uma sociedade embriagada. Até eventos hoje "secos" como as eleições eram comumente regados a uma farta distribuição gratuita de bebidas alcóolicas.
O primeiro país a regrar a graduação alcóolica em 40% foi a Rússia com sua vodka. O império russo aproveitou as pesquisas de seu brilhante químico Mendeleev, que determinou em sua tese de doutorado - a qual não tinha nenhuma ligação com a vodka - que a mistura ideal de água e álcool era de 60% de um e 40% de outro, respectivamente, pois é a proporção onde há a menor perda de volume (sim, na produção de bebidas, 2+2 não é igual a 4) sem desestabilizar a mistura, que é uma mistura não-ideal. Químicos entenderão. E esse foi o padrão adotado e que passou a ser taxado pelo governo russo em 1894.
No restante da Europa e nas Américas, tivemos dois momentos diferentes: o início da 1ª Guerra Mundial em 1914, e o Movimento Norte-Americano da Temperança, que culminou com a Lei Seca Norte-Americana em 1920.Em todos esses momentos históricos havia um ponto em comum, a necessidade de se reduzir o consumo de bebidas alcóolicas e a embriaguez.
Quando os EUA revogaram a Proibição em 1933, o padrão de 40% Alc.Vol. foi amplamente adotado. Essa graduação logo chegou à Europa e por aqui também. Embora não fosse um teto - os destilados poderiam ser mais fortes - os governos geralmente tributavam produtos com graduação mais alta a uma taxa também mais alta. Esse incentivo, combinado com o desejo corporativo de maximizar os lucros da produção, significa que muitos produtores aderiam à graduação mínima permitida por lei. Os impostos não estavam sendo cobrados com base em um volume total de álcool puro, o que significava que um destilador poderia maximizar as economias de impostos diminuindo o teor alcoólico, mas gerando um desequilíbrio competitivo. Produtores de vinho e cerveja acabavam pagando menos impostos, resultando, mesmo com a economia, em uma concorrência desleal, e sem a redução do consumo. Mas isso é assunto para um outro post.
Negócios à parte,os 40% são o ponto ideal que permite que os destilados não sejam tão agressivos, mas ainda tenham algum caráter reconhecível e com redução dos danos colaterais à saúde. E isso foi e é suficiente para a maioria dos consumidores e para a indústria.
Saúde!