Ajude a reverter a crise da Amazônia na sua cozinha
Gerar demanda para carne e pescados sustentáveis e consumir produtos feitos por comunidades indígenas estão entre as atitudes que você pode tomar
Por Roberto Smeraldi
17/09/2019 | 11h00
A Amazônia voltou às manchetes do mundo inteiro por conta da emergência de desmatamento e fogo descontrolado. Em Nova York (de onde escrevo esta coluna), nos próximos dias, o tema será destaque da Cúpula das Nações Unidas. Prevalece no público a sensação de impotência e frustração. As pessoas me perguntam com ceticismo: será que eu posso fazer alguma coisa?
O lugar onde cada um pode fazer mais a diferença a respeito do que acontece na Amazônia... é sua própria cozinha. Vamos ver quatro atitudes que poderiam rapidamente reverter a crise amazônica sem precisar de grandes planos governamentais, apenas a partir da comida.
1. Sabemos que a pecuária bovina é o mais difuso vetor de desmatamento e uso do fogo. Mas não pensem que a solução é parar de comer carne. Pelo contrário, assim fazendo desestimulamos o investimento em tecnologia que é necessário para a pecuária da Amazônia passar a ocupar uma área muito inferior àquela ocupada atualmente. A produção de carne da Amazônia é pequena, não chega a um quinto do total nacional, pois a pecuária é pouco produtiva. Os bons produtores abandonaram há tempo o uso do fogo e do desmatamento. Gerar demanda para carne sustentável amazônica é algo que pode rapidamente alterar a forma de ocupação da região e quase eliminar o emprego do fogo.
2. A soja é um dos insumos mais difíceis de ser identificados pelo consumidor, porque não é percebido: está no porco e no frango em forma de ração, na fritura em forma de óleo, nos sorvetes, molhos, bolachas... Por outro lado, a vantagem é que esses produtos em geral são oferecidos por grandes indústrias. Dessa forma é mais fácil exigir rotulagem e garantias de que a soja que elas utilizam seja livre de desmatamento, o que hoje já é possível certificar.
PUBLICIDADE
3. Os pescados da Amazônia oferecem opções diversas e atrativas para todos os gostos, ao mesmo tempo que têm o potencial, tanto na piscicultura quanto na pesca, de empregar um grande contingente de pessoas, gerando assim alternativas econômicas à destruição da floresta. Para ter rios e açudes preservados, é preciso manter a floresta em boas condições. Consumir pescados amazônicos, como tambaqui e pirarucu, é portanto uma excelente opção.
4. A população tradicional e indígena da Amazônia é, desde sempre, a melhor guardiã da floresta. O conjunto de produtos agroflorestais oriundos de suas comunidades e cooperativas é enorme, sejam frescos, sejam processados: frutas, geleias, castanhas, pimentas, tapiocas, farinhas, tucupi, cogumelos, temperos, mel, chocolate... Consumir esses produtos amazônicos não significa só ter uma cozinha mais variada, saudável e cativante. Também permite que essas populações sigam conservando suas reservas e territórios.
Se pensarmos que em toda a área rural da Amazônia vivem cerca de 7 milhões de pessoas – aproximadamente um terço da população da Grande São Paulo – o volume de consumo que pode fazer a diferença é relativamente modesto e fácil de alcançar. Em vez de esperar pelo governo, que tal começar com uma costelinha de tambaqui assada, uma tigela de açaí, farofa de castanha e uma pimentinha jiquitaia?
PUBLICIDADE
Saiba mais sobre ingredientes amazônicos
● Está na hora de usar cogumelos ianomâmi, nacionais e aromáticos ● Vitória-régia é tão bonita quanto comestível, apesar de uso pouco conhecido ● As histórias e o sabor bem amazonense do tucumã, fruto desconhecido no Sudeste ● Farinha de babaçu, fruto amazônico, é ótima alternativa ao amido de milho ● Habitantes do vale do Guaporé domesticaram quatro espécies de arroz na pré-história Amazônica ● Açaí, a fruta púrpura do Norte ● O surpreendente café conilon da etnia Tupari, da Amazônia ● Castanha de sapucaia, uma iguaria amazônica ● Conheça as especiarias brasileiras e saiba como usar cada uma delas ● Bacuri, um dos melhores frutos do mundo
Onde comprar produtos da Amazônia em SP
● Box Amazônia no Mercado Municipal de Pinheiros. Rua Pedro Cristi, 89, Pinheiros, 3032-0875 ● Combu da Amazônia. Rua Martiniano de Carvalho, 97, Bela Vista, 2307-7100 ● Casa Santa Luzia. Al. Lorena, 1.471, Jd. Paulista, 3897-5000 ● Empório Poitara. Encomendas por 97310-5024 ou toni.ginger@gmail.com ● Açougue Santa Bárbara. Rua dos Três Irmãos, 524, Morumbi, 2176-8400 (vende peixes como pirarucu) ● Chocolates feitos com cacau amazônico e marcas como Manioca (de farinha, tucupi, geleias e temperos) já podem ser encontrados em grandes supermercados
PUBLICIDADE
Os sabores da Amazônia
1 / 27
Os sabores da Amazônia
Dona Rosa Oliveira, 51 anos, e sua banca de frutas, conhecida entre os cozinheirosde Manaus por vender frutos amazônicos e conservas variadas. OPalada... Foto: Alberto César Araújo/Estadão
É ofrutinho da palmeira cujo caule rende o palmito pupunha. Do fruto seco se faz farinha, que pode ir em massa de pão ou bolo. Foto: Alberto César Araújo/Estadão
Depois de cozida, a pupunha lembra - na textura e no sabor - o pinhão. Come-se ela pura, mas vai bem em doces.A barra da dona Rosa, o quilo da pupunha... Foto: Alberto César Araújo/Estadão
Um comprido bastão verde guarda o ingá, fruto que tem um caroço marrom escuro envolvido por uma polpa branca. Foto: Alberto César Araújo/Estadão
Do ingá, usa-se a sua polpa branca, de sabor leve e adocicado. Dependendo do tamanho do "pau"do ingá, paga-se R$ 5 ou R$ 7. Foto: Alberto César Araújo/Estadão
Tem um formato que lembra um cacau gigante, mas apolpa é alaranjada e doce. Dona Rosa vende ele já em cubinhos num pote por R$ 8. Foto: Alberto César Araújo/Estadão
Fruta fácil de se achar em várias cidade do Norte e do Nordeste do Brasil. Após tirar essa casca marrom, come-se roendo a polpa que envolve o caroço, ... Foto: Alberto César Araújo/Estadão
Dentro de um ouriço (espécie de coco), encontram-se de 10 a 16 castanhas:“sempre número par”, explicadona Rosa. Foto: Alberto César Araújo/Estadão
O murici, quando guardado com água na geladeira, dura mais de um ano:a casca fina é comida junto com a polpa, que tem sabor ácido e de um salgadinho q... Foto: Alberto César Araújo/Estadão
Dona Rosa frequenta a banca de frutasdesde os 7 anos de idade. Hoje, passa umas semanas morando ali e outras em sua casa num assentamento a cerca de 3... Foto: Alberto César Araújo/Estadão
A azeitona regional, preta ou roxa, tem a casca amarga e a polpa azedinha (as duas sãoroxas também por dentro). Foto: Alberto César Araújo/Estadão
De polpa amarela firme, o tucumã tem sabor neutro tendendo para o salgado -lembra banana-verde, massem adstringência. Foto: Alberto César Araújo/Estadão
Popular em Manaus, a polpa do tucumã vai no sanduíche X-caboquinho, junto com queijo de coalho. Também costuma-se comê-lo puro com farinha de mandioca... Foto: Alberto César Araújo/Estadão
Vista da seção de peixes do Mercado Municipal Adolpho Lisboa, no centro de Manaus, que também guarda ingredientes preciososda região. Foto: Alberto César Araújo/Estadão
O peixeiro Augusto de Lima Sampaio mostra peixes vendidos na sua banca no Adolpho Lisboa. Foto: Alberto César Araújo/Estadão
Os peixes são dispostos sem gelo, prática comum em bancas de pescados e carnes em feiras da cidade. Entre os peixes acima, da esquerda para a direita:... Foto: Alberto César Araújo/Estadão
Isopor com o peixe jaraqui, peixe comum na região e apreciado pelos manauaras, Diz o ditado que “quem come jaraqui não sai mais daqui”. Augusto vende ... Foto: Alberto César Araújo/Estadão
A peixeira Vânia Sampaio tira as escamas do jaraqui antes de vendê-lo;depois, tem de “ticar”:fazer cortes na pele para quebrar as espinhas por dentro.... Foto: Alberto César Araújo/Estadão
Peixe de carne rosada e suave, o tucunaré (R$ 8 o quilo) évendido em forma de sashimino restaurante Shin Suzuran, em Manaus. Foto: Alberto César Araújo/Estadão
Como a logística para vender esse grande peixe de rioainda fresco é complicada, ele muitas vezes já é salgado próximo do seu leito de origem e chega a... Foto: Alberto César Araújo/Estadão
A poucos metros do Mercado Municipal Adolpho Lisboa está a Feira Manaus Moderna, onde vegetais e legumes em geral são encontrados. Entre eles, a pimen... Foto: Alberto César Araújo/Estadão
Já a pimenta ova de aruanã, amarela, é mais “ardosa”, como dizem os locais sobre algo muito picante (R$ 2 o copo). Foto: Alberto César Araújo/Estadão
Farinhas de mandioca de todos os jeitos são encontradas em qualquer feira:amarela, branca, fina, grossa, granulada, flocada, pubada ou não; Foto: Alberto César Araújo/Estadão
Uma das mais apreciadas é a farinha de Uarini, também conhecida como ovinha, cujos grânulos são formados com a massa de mandioca fermentada (pubada) s... Foto: Alberto César Araújo/Estadão
A chicória-do-norte édiferente da chicória que encontramos no Sudeste. NoNorte é largamente consumida refogada em várias receitas, principalmente com ... Foto: Alberto César Araújo/Estadão
O tucupi é um caldo feito a partir da raiz da mandioca-brava ralada. Olíquido descansa, fermenta e depois é cozido com temperos. Foto: Alberto César Araújo/Estadão
Folha verde que causa dormência na boca e vai em vários preparos típicos do Norte, como o tacacá. Aflor do jambu, amarela, é muito usada na decoração ... Foto: Alberto César Araújo/Estadão