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Entraves na legislação brasileira de produtos artesanais desaceleram economia

Quase metade da cadeia de produção alimentar no Brasil é informal; em vez de transferir ao produtor a responsabilidade pela incapacidade do Estado, temos de incentivar essa rede a se fortalecer

Nesses dias, um novo caso de repressão da produção de queijos artesanais tem gerado revolta nas redes sociais. Uma pequena fazenda reconhecida pela excelência - a Lano Alto, no município paulista de São Luiz do Paraitinga - teve seu estoque de queijos especiais descartados no aterro sanitário de Pindamonhangaba. Uma ironia, sendo que os aterros nem sequer poderiam mais existir.

Os queijos estavam impróprios para consumo? Não, a razão foi falta de registro do produtor perante o prefeitura. Algo kafkiano, pois há anos a Lano Alto busca o registro, porém a prefeitura local carece ainda uma norma que lhe permita fazer isso!

Entravena legislação de produtos artesanais prejudica retomada da economia Foto: Werther Santana/Estadão

Já a atuação da fiscalização foi sim ilegal: usou-se como justificativa uma lei estadual (8.208/1992) que porém permitiria descartar produtos apenas com evidências de risco higiênico-sanitário ou adulteração. Nada disso foi constatado.

Ressalvada a injustiça, cabe entender como tais posturas prejudicam o dinamismo econômico do País, especialmente no pós-pandemia em que dependeremos de iniciativa difusa. Num estudo ainda no prelo - que estou terminando para o Amazônia 2030 - constatamos que aproximadamente 49% dos quase 20 milhões de ocupados no "sistema comida" no Brasil - conceito criado por FAO e Banco Mundial, que reúne todas as cadeias do alimento e também os ocupados que trabalham com comida fora de tais cadeias - são informais.

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Esse exército de mais de 9 milhões de ocupados poderia revigorar a economia nacional. Vale analisar os impactos das normas foram adotadas nos EUA nos últimos anos, a partir de uma lei federal conhecida como Food Freedom Act. Quarenta e nove estados americanos possuem normas para viabilizar o "cottage food", comida caseira vendida informalmente.

Alguns deles, principalmente no Mid-West, foram além, tirando qualquer exigência de registro, com duas condições: que o consumidor tenha consciência de que compra um produto não-regulamentado pelo governo, e que o mesmo não seja vendido em redes de varejo ou por terceiros (apenas venda direta).

Num país com sérios problemas de epidemias geradas por alimentos - só em 2018, houve nos EUA 24 surtos de doenças de origem alimentar espalhadas além de um único estado - não foi registrado sequer um caso entre os produtos comercializados graças ao Food Freedom.

Os especialistas identificam duas razões principais: (i) a venda direta reduz as chances de contaminação e estocagem inadequadas ao longo de cadeias complexas; (ii) o produtor tende a ser conhecido em sua comunidade, bairro ou entre apreciadores de determinados produtos especiais, de maneira que o principal critério de compra seja a reputação. O boca a boca se mostra o mais eficaz dos fiscais. E o produtor sabe que sempre pode ser responsabilizado civil e penalmente em caso de algo dar errado.

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Em vez de transferir ao produtor a responsabilidade pela incapacidade do Estado, temos de agradecer os micro-empreendedores do sistema comida e incentivar essa rede a se fortalecer, entre feiras livres e internet, beira de estrada e sítios. E jamais, jamais jogar queijos finos em aterros sanitários.

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