O momento é panc: evento em Belém joga luz sobre as plantas não convencionais
'A Amazônia descobre a Amazônia’ reuniu cozinheiros, cientistas, mateiros e lideranças em Belém para estudar, debater, trocar experiências e cozinhar
Por Roberto Smeraldi
19/04/2017 | 20h44
De Belém Especial para O Estado
Numa prévia do que será o futuro Centro Global de Gastronomia e Biodiversidade em Belém do Pará – lugar para intercâmbio e laboratório de cozinha, ideias e produtos –, um evento batizado de ‘A Amazônia descobre a Amazônia’ reuniu na semana passada um grupo de 22 profissionais entre cozinheiros, botânicos, mateiros, exploradores radicais, engenheiros do alimento e lideranças comunitárias de toda região amazônica para um inédito e fascinante intercâmbio na cozinha. O encontro foi organizado pelo Centro de Empreendedorismo da Amazônia em parceria com o Instituto Atá e o Instituto Paulo Martins.
Foi quase um reality show em que os participantes conviveram por dois dias, cozinhando, conversando, discutindo, contando histórias e, às vezes, descansando. O público acompanhou ao vivo e pôde provar os pratos preparados de improviso pelos chefs Alex Atala, Ofir Oliveira, Pedro Miguel Schiaffino, do Peru, e o venezuelano Nelson Mendez, entre outros. Não havia programação, apenas a lista das plantas alimentícias não convencionais, as pancs, estrelas do evento.
O cubiu – aquele delicioso primo do tomate e da berinjela – foi considerado planta alimentícia não convencional em Belém. Mas os peruanos e os amazonenses explicaram que o cubiu não seria classificado como tal na terra deles. Não por acaso o evento se chamava ‘A Amazônia descobre a Amazônia’.
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Panc daqui e de lá. Após uma avalanche de conhecimento científico, práticas tradicionais e processos culinários a respeito de mais de 50 folhas, flores, tubérculos, nozes, cogumelos, óleos e sementes, uma certeza: a panc da cidade não é a mesma da floresta, a do índio não é a do ribeirinho, a do venezuelano não é a do acreano.
Por sua vez, ninguém enxergava o não-convencional como um nicho peculiar, mas sim como o universo de uma diversidade formadora do território. Uma diversidade que engana ao parecer selvagem, mas na realidade resulta de uma domesticação ancestral que, ao longo dos últimos 8 mil anos, selecionou na mata mosaicos de jardins comestíveis, entrelaçados com a natureza.
Nem a ciência possui as senhas necessárias para se nortear nesse labirinto. É quase impossível estabelecer laboratorialmente, por exemplo, se muitos cogumelos recém-descobertos são comestíveis. O único caminho é investigar se alguma população tradicional os consome.
Pratos com pancs amazônicas
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Pratos com pancs amazônicas
Urtiga desperta desconfiança, mais ainda quando você descobre que as da Amazônia nem são parentes daquela comum no Sudeste. Eis que a urtiga vermelha ... Foto: Raissa Lisboa/Divulgação
Para alguns ela lembra uma noz, para outros uma castanha. Fato é que a mamorana (Pachira aquática) traz lembranças de amendoim com frescor e delicadez... Foto: Heitor Rodrigues/Divulgação
Era só puxuri (Licaria puxuri-major), mas todo mundo que provou perguntava se havia também cravo, canela, anis, gengibre... Um aroma que parece conter... Foto: Heitor Rodrigues/Estadão
Tremella, pleurotus, favolus, cookeina, auricularia... a despensa de cogumelos selvagens era uma festa de mistérios. Sob o atento controle da cientist... Foto: Roberto Smeraldi/Estadão
Há uma variedade de peperômia (Peperomia pellucida) formada por pequenas bolinhas, que dá nos troncos das mangueiras de Belém. Nas mãos de Alex Atala,... Foto: Heitor Rodrigues/Divulgação
Basta escaldar rapidamente em água a folha da caapeba (Piper peltatum) e ela se torna um invólucro versátil e delicado, por seu tamanho e sua textura.... Foto: Heitor Rodrigues/Divulgação
Firme e quase crocante, ao mesmo tempo macio: o longo talo da vitória-régia (Victoria amazonica) pode ser comparado a um aspargo, tanto pela textura q... Foto: Heitor Rodrigues/Divulgação
Uma salada quente-fria, agridoce, crua e cozida. Há milhares de variedades de cubiu (Solanum sessiliflorum) e os chefs Pedro Miguel Schiaffino, do Per... Foto: Heitor Rodrigues/Divulgação
Difícil acesso. Nesse cenário, os mateiros experientes envelhecem e nem sempre há jovens para substituí-los, enquanto as comunidades indígenas sofrem todo tipo de pressão. Torna-se assim mais difícil o acesso ao conhecimento que pode abastecer a evolução de nossa cozinha.
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Por outro lado, também há muitas plantas sobre as quais há muito conhecimento em muitas áreas, menos o culinário: nesses casos, “não-convencional” é apenas seu uso na cozinha. Todos ficaram encantados com o talo da vitória-régia, cujo cumprimento chega a 4 ou 5 metros, uma espécie de aspargo de rio, delicado e macio, que pode ser facilmente manejado em volumes expressivos.
Muito além das plantas, a experiência de Belém mostrou quanto é instigante diversificar o formato dos eventos de gastronomia em modelos não-convencionais. Aulas e palestras permitem contar experiências, mas não formam um ambiente colaborativo e experimental. Já a integração em cozinhas-laboratório oferece aos cozinheiros a oportunidade de criar – com apoio presencial e embasamento de especialistas. Na cozinha improvisada no palco, uns discutiam o que fazer com a próxima panc enquanto os demais finalizavam o prato criado com a panc anterior. Todos na pressão de soltar uma degustação a cada meia hora e mesclando espanhol com português. Nada melhor do que a Amazônia para testar a inovação cosmopolita.
* Roberto Smeraldi é colunista do Paladar, idealizador do Centro de Gastronomia da Amazônia e um dos organizadores do evento.
A gênese do termo
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A invenção do termo panc é atribuída, por muitos estudiosos da área, ao pesquisador Valdely Kinupp, que hoje vive nas redondezas de Manaus e, claro, cultiva muitas dessas plantas. Antes mesmo de publicar o livro Plantas Alimentícias Não Convencionais (Panc) no Brasil (ed. Plantarum, 2014), em parceria com Harri Lorenzi, Kinupp já havia estudado o tema em sua tese de doutorado na Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2007. Foi ele quem primeiro lançou luz sobre plantas de várias partes do País que têm potencial alimentício e não eram nem vistas como alimento.
Cozinha panc: 10 receitas usando plantas alimentícias não convencionais
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Cozinha panc: 10 receitas usando plantas alimentícias não convencionais
AMongubavai bem crua, como petisco, ou cozida, assada, ou até triturada como farinha. Para conservá-las por mais tempo, é bom embalar em plástico e gu... Foto: Neide Rigo/Estadão
Pode ser banana sapo ou marmelo, prata, nanica e até banana-da-terra.Mesmo verde, a banana tem muitas utilidades como ingrediente. E dá para ir além d... Foto: Neide Rigo/Estadão
Feijão-borboleta, ou cunhã, tem uma flor que tinge de azul qualquer alimento. Mais que dar uma corzinha para o prato, ela também tem diversas propried... Foto: Neide Rigo/Estadão
Originário da África, omaximefoi mais uma preciosa contribuição dos escravos à nossa dieta. É um ingrediente rústico, nutritivo e, a quem possa intere... Foto: Neide Rigo/Estadão
OOra-pro-nóbisé uma verdadeira fábrica de alimento. As folhas são gostosas, nutritivas e fartas. Os brotos, com espinhos ainda moles, avermelhados e d... Foto: Tiago Queiroz/Estadão
As flores, amarelas, vermelhas ou laranjas da Capuchinha, são comestíveis, assim como as folhas, que são ótimas verduras, nutritivas e com gostinho de... Foto: Tadeu Brunelli/Estadão
Pancé a sigla para plantas alimentícias não convencionais - ou seja, vegetais que podem ser consumidos, mas não estão habitualmente na mesa dos brasil... Foto: Tadeu Brunelli/Estadão
Abertalha-coraçãotem quem considere como uma praga, já que ela cresce em aglomerados que saem dos galhos e cada túbera pode gerar uma ou mais plantas ... Foto: Neide Rigo/Estadão
Ocruáé nativo do Brasil e o que mais chama a atenção nessa fruta é o perfume agradável, de longa duração. Pode ser um ingrediente fantástico para suco... Foto: Neide Rigo/Estadão
O guandu não é como esses feijões de gosto suave. Quando seco, tem sabor herbáceo pronunciado que combina com temperos fortes como bacon, cominho, pim... Foto: Tadeu Brunelli/Estadão
As folhas de dente-de-leão são bastante consistentes quando adultas e ficam ótimas quando cortadas em fatias finas, como a couve para feijoada. Folhas... Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Conheça as pancs - plantas alimentícias não convencionais
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Conheça as pancs - plantas alimentícias não convencionais
Com certeza você passa por uma todo dia e nem se dá conta. As plantas alimentícias não convencionais (pancs)estão por toda a parte - e deveriam estar ... Foto: Neide Rigo/Estadão
Não é pescado, é plantado mesmo. A folha, cheia de pelinhos, ganhou onome por conta do seu formato. Também conhecido como lambari-da-horta, é usado pa... Foto: Tadeu Brunelli/Estadão
De origem indiana, chegou ao Brasil com os mercadores de escravos e hoje é considerada uma aliada na agricultura. Além de fixar nitrogênio no solo, co... Foto: Tadeu Brunelli/Estadão
As flores, amarelas, vermelhas ou laranjas, são comestíveis, assim como asfolhas, que são ótimas verduras, nutritivas e com gostinho de agrião. Foto: Tadeu Brunelli/Estadão
Fruto de sabor adocicado muito comum na Amazônia. Quando guardado com água na geladeira, dura mais de um ano. Acasca fina é comida junto com a polpa, ... Foto: Tadeu Brunelli/Estadão
Espécie que rende, além das folhas,frutinhos de pigmento roxo intenso. Foto: Tadeu Brunelli/Estadão
Menor que o maracujá comum e de casca mais alaranjada, ele tem aroma e sabor um pouco mais adocicado. Tem sidoreconhecida como produto de forte identi... Foto: Tadeu Brunelli/Estadão
Ácida e crocante, vai muito bem na salada. Também pode ser consumidarefogada no óleo ou na banha com alho e cebola (depoisde cozida, lembra um pouco o... Foto: Tadeu Brunelli/Estadão
Em Minas, essa planta não tem nada de "não convencional". É muito usada em refogados e como acompanhamento. Suasfolhas são gostosas, nutritivas e fart... Foto: Tadeu Brunelli/Estadão
As folhas, como denuncia o nome, são azedinhas e podem ser usadas em saladas cruas, como verdura salteada, em sopas e omeletes. Foto: Tadeu Brunelli/Estadão
Esse é o de três folhas. Considerado por muitos uma erva-daninha, nasce à toa por vasos, jardineiras,quintais e calçadas.É tão banal que muitos nem se... Foto: Tadeu Brunelli/Estadão
Trepadeira muito vigorosa, seus tubérculos são enormes, podendo chegar até 150 kg. Eles podem ser usados como batatas para produção de purês, caldos e... Foto: Tadeu Brunelli/Estadão
Nativa da América Latina, ocorre em grande quantidade no Sul e Sudeste do Brasil. É considerada planta daninha em lavouras anuais. Suas folhas e semen... Foto: Tadeu Brunelli/Estadão
Também conhecida como chicória-brava, é muito comum em lavouras e ambientes urbanos - cresce espontaneamente durante o inverno e a primavera. Com sabo... Foto: Tadeu Brunelli/Estadão
É cultivada em quintais da região Nordeste para uso medicinal e por suas sementes, usadas no tratamento caseiro de água. Suas folhas e frutos juvons, ... Foto: Tadeu Brunelli/Estadão