Outro dia fui cozinhar no Festival do Pinhão, em Campos do Jordão. Me pediram para criar uma receita com o javaporco, híbrido suíno que prolifera na Serra da Mantiqueira. A noite acabou com o público degustando um brasato com essa carne de sabor intenso. No dia seguinte, já em Belém, fui convidado para uma degustação pelos chefs Ilca do Carmo e Paulo Anijar, do Santa Chicória. Me deparei com um prato memorável: um pitu da ilha fluvial do Mosqueiro, no estuário amazônico, grelhado e acompanhado por farofa de ovas do crustáceo.
Javaporco e pitu têm muito em comum: ambos deliciosos, ambos viraram praga invasora. É destino de muitas espécies introduzidas no Brasil, mesmo com boas intenções: em algum momento geram algum desequilíbrio ambiental, problema sanitário ou dano econômico. Ou todos juntos. Invasores nem sempre são exóticos. Às vezes trata-se de espécies nativas que encontram condições distorcidas de reprodução, pela ausência de predadores ou pelo acesso a alimento artificialmente abundante.
O controle dos invasores pode beneficiar o mundo da gastronomia com iguarias notáveis, além de prestar um serviço socioambiental para a sociedade e prover uma fonte de renda sustentável para muitas pessoas no meio rural, incluindo manejo, abate, beneficiamento, comercialização, pesquisa e turismo.
Um exemplo é o do queixada, animal cujo manejo pode representar expressivo negócio no campo, tanto por sua finíssima carne – das melhores entre animais nativos, com a da paca – como pela pele valorizada. Quando o queixada some, extingue-se a onça: é o que já ocorreu no Parque de Iguaçu e ameaça acontecer no único refúgio protegido da onça pintada no Brasil central, o Parque Nacional das Emas, Patrimônio Natural da Humanidade.
Mas por que pode sumir o queixada? Paradoxalmente, porque abunda alimento nos arredores do parque, com grandes monoculturas de milho. Ao provocar sérios danos ao cultivo, o animal acaba dizimado pelos agricultores, cujos pleitos para as autoridades ambientais autorizarem seu manejo são ignorados há muitos anos.
Outro caso é o da capivara, hoje um dilema em todo sudeste do Brasil, especialmente próximo aos reservatórios de água. Com falta de predadores devida à redução de ambientes naturais, além de ameaça para agricultura, tornou-se problema de saúde pública, com a transmissão da febre maculosa. Por outro lado, trata-se de uma máquina de proteína altamente produtiva: com seu manejo, extremamente barato por ser um herbívoro generalista adaptável, pode se atingir uma tonelada de carne por km²/ano.
Mas é preciso superar duas limitações: a primeira é a falta de investimento público e privado no conhecimento técnico e científico. Manejo, captura e abate requerem a formação de uma cadeia capacitada, tanto para evitar impactos indesejados quanto para ter um produto seguro e de qualidade. E até mesmo para desenvolver o gosto do consumidor. A segunda é a má vontade crônica da burocracia governamental, pela qual a hipocrisia da proibição é sempre o caminho mais fácil. Vamos superar o impasse? Minhas panelas estão prontas para receber todo tipo de invasor.