Se você receber um convite para ir a um wine bar, não dispense de cara, pensando que será um programa “de velho” e sem grandes atrações para saciar a sua fome. Esta áurea dos bares de vinho ficou para trás. Na nova cena do gênero, o clima é despojado, o serviço, descomplicado e a cozinha, muito afiada.
Casas como a já estabelecida Beverino e as novas Clos Wine Bar e Huevos de Oro invertem a lógica e mostram que é, sim, possível sair para apreciar um (ótimo) vinho de forma despretensiosa e ainda comer muito bem – leia-se, cardápio que foge das enfadonhas tábuas de queijos e embutidos, com direito a cozinha comandada por chefs com passagem em restaurantes estrelados.
E por que não chamá-los simplesmente de restaurantes então? Pois eles se encaixam em uma nova categoria, onde o “prato principal” é o vinho, mas a cozinha ganha tanta atenção quanto os rótulos. Ninguém em está em busca de uma estrela Michelin, apenas (e quem quer mais que isso nos dias atuais?) uma experiência completa e sem firulas.
A extensa carta do recém-aberto Clos é prova disso. São mais de 120 rótulos, trazidos do mundo todo. Projeto de Guilherme Mendes, da Vinho Mix, importadora que trabalha exclusivamente com vinhos naturais, orgânicos e biodinâmicos. Todos os rótulos podem ser provados em taças (R$ 28 a R$ 65) – o maior portfólio do tipo no País – ou garrafas (R$ 150 a R$ 390). Um exército de Coravins (aparelho que extrai a bebida sem desarrolhar a garrafa) dá conta de manter os vinhos abertos em ordem.
“A vontade de abrir o Clos veio da necessidade de ter um bar de vin democrático por aqui. Queria um lugar aconchegante, com cozinha de ponta, não queria deixar a experiência limitada ao vinho”, justifica Mendes. “Daí surgiu o convite para a Elisa desenvolver o menu e agregar bagagem”, explica, sobre a parceria com a chef Elisa Fernandes, que comanda a cozinha.
Ganhadora da primeira edição do reality show Masterchef, em 2014, Elisa morou três anos na França, onde estudou na renomada Le Cordon Bleu de Paris e trabalhou no Plaza Athenée do chef Alain Ducasse. Sobre comandar a cozinha de um bar de vinhos, e não um restaurante, a chef esclarece: “Eu sempre quis que meu restaurante fosse pequeno, com experiências mais intimistas. Neste formato, posso colocar em prática a cozinha que mais gosto, da ‘bistronomie’, simples, mais delicada, despojada e com técnica; que combina muito bem com vinho”.
Da cozinha aberta, de onde é possível vê-la despachando os pratos ao lado de outros três ajudantes, saem poucas, mas assertivas, pedidas, como o choux de creme de milho e a pancetta crocante. Um exemplo da sua ampla técnica aplicada ao familiar. Receitas mais robustas, como o peixe grelhado com feijão manteiguinha em três versões (mousse, vinagrete e crocante), e a copa lombo com cogumelos, dão o tom de restaurante. Mas não se engane: “Se a pessoa quiser vir só para tomar um vinho, tudo bem, se quiser vir apenas para jantar, tudo bem também, a ideia do Clos é ser democrático”, diz.
Salão e cozinha integrados
“Ainda sofremos por esta falta de lacuna para nos encaixar, somos um bar de vinhos, mas nossos pratos me dão tanto orgulho e prazer, como organizar a carta. É uma semântica difícil, mas busco quebrar isso”, reflete Bruno Bertoli, dono do Beverino, na Vila Buarque.
Aberto em 2018, o bar nasceu da vontade de Bertoli em dar vazão ao trabalho com vinhos naturais que já fazia no restaurante Capivara, onde foi sommelier. “A proposta do Beverino sempre foi a de apresentar um serviço de vinho de forma mais informal e despojada, que anda lado a lado desta vertente de vinho.”
No início, Bruno escolhia os rótulos, servia e montava o cardápio. Por isso, da cozinha, saíam apenas receitas suas, bem simples, rosbife, charcutarias, além de algumas opções de queijos e embutidos nacionais. Com a chegada do chef Pedro Pineda, a cozinha ganhou mais vigor.
Hoje, o cardápio muda a cada semana. São sempre seis pratos, que se complementam, mas sem barreiras ou influência fixa. “É uma cozinha experimental”, define. “Mas sempre priorizamos, assim como no vinho, os produtos orgânicos e com cumplicidade com quem os produz.”
A milanesa já virou fixa no cardápio. Feita com bife Angus da Beef Passion, empanado e frito, é servida no pão ciabatta com maionese de mostarda feita na casa ou com salada e kimchi, a conserva de acelga coreana (R$ 47 o sanduíche; R$ 51 no prato).
E quem manda ali, o vinho ou a comida? A sugestão de Bruno é escolher primeiro o prato e, a partir disso, ele vai guiá-lo na escolha do vinho. São mais de 40 rótulos na carta, que mudam com frequência, sempre com três opções em taças: uma mais acessível, para quem só quer ir beber um vinho, e duas mais especiais, uma uva branca (pode ser um laranja ou branco) e um tinto. “Trabalhamos para quebrar um pouco das linhas que tradicionalmente separam cozinha e salão. Apesar de termos nascido bar de vinhos, hoje o cuidado com ambos é o mesmo.”
Brinde à moda espalhola
Dupla responsável por abrir o terreno no serviço de vinho informal por aqui, Daniela Bravin e Cassia Campos, à frente do Sede 261, o micro bar de vinhos instalado em uma garagem em Pinheiros desde 2018, acabam de dar mais um passo nesta incursão, agora com espaço para cozinha. Assumiram o comando do bar Huevos de Oro, a poucos metros dali. Foi embora o clima de boteco do antigo proprietário, ganhando ares de taberna espanhola; o andar superior do sobrado recebeu mesas e ar ajeitado.
“A ideia é ser um autêntico bar espanhol, cardápio tradicional, nada contemporâneo, mas com atenção aos detalhes, tanto na escolha dos rótulos como no preparo dos pratos”, explica a dupla. “Servimos apenas quatro bebidas: vermute, Jerez, cerveja e o vinho, claro.”
A carta é exclusiva de vinhos espanhóis, mas dá um giro por todas as regiões produtoras do país. Por enquanto, são 20 rótulos, com faixa de preço que varia entre R$ 90 e R$ 450, e com representantes de todos os estilos de Jerez – oferta ainda rara na cidade. Esses são servidos em taça, assim como uma “copa de la casa”. A taça do dia (R$ 20) muda a cada semana. “Assim como no Sede, a ideia aqui é apresentar coisas diferentes para nossos clientes.”
A cozinha ficou a cargo da chef consultora Ligia Karazawa, que morou e trabalhou por mais de dez anos na Espanha, com passagens em restaurantes estrelados como Mugartiz.
Feitos como manda a cartilha espanhola, as tapas foram pensadas para acompanhar o passeio etílico da mesma forma despretensiosa que é feito o serviço dos vinhos: sem firulas, mas com atenção aos detalhes. A seleção de clássicos inclui a tortilla de batatas (R$ 25), alta, cremosa e tostadinha na superfície, e o rabo de toro (R$ 25), rabada bem temperada, cozida com vinho tinto até desmanchar
O convite do trio é extrapolar as etapas, encher a mesa com diferentes pedidas para compartilhar, que ainda contam com especialidades como a piperrada con atun, pimentões vermelhos e amarelos levemente defumados, confitados no azeite e servidos com atum em conserva, feito ali. Combinados com o vermute – que não deixa de ser um vinho – da casa, é uma viagem direta para Madri.
Aos saudosos da Sede 261, a dupla manda o recado: “Só voltaremos com uma vacina (contra a covid-19)”. Mas não é preciso se desesperar: um imóvel ao lado do Huevos vai receber, até o fim do ano uma filial do Sede, mais espaçosa. “Serão dez lugares, com ambiente para promover cursos e degustações guiadas.”
Serviço
Beverino
R. General Jardim, 702, Vila Buarque Horário de funcionamento: 4ª a 6ª, 18h/22h (sáb. 13h/16h e 19h/22h; dom. 13h/16h30). Reservas: (11) 98438-3597
Clos Wine Bar
R. Girassol, 310, Vila Madalena. Horário de funcioanmento: 6ª, 18h/22h (sáb. e dom., 13h/17h e 18h/22h) Reservas: closwinebar.com.br/reservas
Huevos de Oro
Av. Pedroso de Morais, 267, Pinheiros. Horário de funcionamento: 5ª e 6ª, 19h/22h (sáb., 14h/22h; dom., 12h30/18h). Reservas: (11) 94507-3118