Especial para o Estado
Esqueça o terno e gravata. E também aquela formalidade, carregada de regras de etiqueta. A nova geração de maîtres – que preferem ser chamados de chefes de salão – tem um estilo (e que estilo! Repare nas roupas e tatuagens) muito mais solto e despojado de conduzir a dança de garçons, pratos e garrafas na sala do restaurante.
Eles combinam com o perfil dos restaurantes modernos e autorais em que trabalham e estão imprimindo novo estilo de serviço.
Só não vale confundir informalidade com desleixo. Ao contrário: essa turma antenada se dedica a aprimorar o serviço, buscando, inclusive, especialização em assuntos que complementam o trabalho da cozinha – eles estudam hospitalidade, vinhos, cafés.
O Paladar conversou com seis jovens que têm se destacado no salão, provando que há espaço para um modelo de atendimento menos careta e mais inclusivo, que abraça minorias sociais como a comunidade trans.
Gabriel Silvestre, 34, do Quincho
Ele é um dos mais discretos do grupo, quiçá o mais tímido, mas é também o mais atencioso com os clientes. Para Gabo, como é chamado no restaurante, a palavra-chave do serviço é cuidado. “Primeiro com a equipe e depois com o cliente. Para cuidar, você precisa ser cuidado”, pondera. Coisa que aprendeu nos anos em que estudou psicologia e depois no trabalho como assistente social.
Com o salão do restaurante sob sua batuta – há pouco mais de um ano, ele atua como gerente operacional do vegetariano Quincho, na Vila Madalena –, Gabo circula pelas mesas de olho em tudo, recebe os clientes com cortesia e os conduz até a mesa, mas procura não interferir tanto na logística dos garçons.
“Meu trabalho não é tirar o brilho da equipe, ser o dono do salão. Minha função é descobrir o que cada um tem de melhor para colocá-lo no posto correto.” Antes do Quincho, Gabo foi garçom no bar Caos e nos restaurantes Chez MIS, Riviera, Maní, entre outros. No Vito e no Cozinha 212, atuou como gerente de sala, implementando a mesma política de cuidado.
Onde. Quincho - R. Mourato Coelho, 1.140, Vila Madalena
Bruno Bertoli, 31, do Beverino
Não se intimide pela postura elegantérrima do sommelier Bruno Bertoli, 31. O sorriso largo dá pistas: ele é do tipo que gosta de bater um papo sobre vinhos com os clientes – isso, claro, quando há interesse e abertura. “É preciso ter sensibilidade para entender o que cada pessoa quer”, diz.
Formado pela Association de la Sommellerie Internationale e conhecido pelo trabalho no salão do Capivara, ele hoje comanda seu próprio bar de vinhos, o Beverino, na Vila Buarque – lugar de cartas sucintas e sazonais de vinhos orgânicos, biodinâmicos e naturais. Para sugerir os rótulos, usa descrições claras e objetivas, sem deixar de lado os jargões-chave da enologia.
“Não subestimo a capacidade do cliente, mesmo que ele não esteja inserido nesse universo. Educar é uma forma de despertar o interesse para o assunto.” Bruno reproduz o que aprendeu nas enotecas que trabalhou na Itália e na França, países onde o cliente nem sempre tem razão. “Não estou aqui para fazer todas as vontades dos clientes, há sempre um limite pautado naquilo que acredito”, diz.
Onde. Beverino - R. Gen. Jardim, 702, Vila Buarque
Thiego Montiel, 32, do Pitico
Thiego diz que não tem tempo para regras de etiqueta. “Servir as pessoas pelo lado esquerdo, retirar pelo lado direito. Oi? Isso é coisa da época de Maria Antonieta”, diz. “O que o cliente quer é ser bem servido, bem tratado. Cabe ao garçom entender o que mais, além da comida e bebida, a pessoa precisa naquele dia. Um sorriso? Uma piada? A ideia é se conectar com outro, sem amarras”, acredita.
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Se o clima está tenso em uma mesa, Thiego “não faz a simpática”, como ele próprio diz, e o serviço é feito com o mínimo de intromissão, “fico quase invisível”. Antes dos restaurantes Pitico, Mica e do novíssimo Uó, que toca ao lado de três sócios, ele foi garçom do Ritz, chefe de praça no Spot, além de inaugurar o Tuju, ao lado do chef Ivan Ralston, com o salão sob sua batuta.
“Aprendi demais em todos os lugares que passei. Aprendi sobre atendimento, cozinha, ingredientes, pequenos produtores, etc. Mas a experiência serviu também para mostrar o tipo de atendimento que gosto, que não é formal. Não tenho essa pira de estrela Michelin, gosto de uma coisa mais de casa, saca?”
Onde. Pitico - R. Guaicuí, 61, Pinheiros
Gabrielli Fleming, 28, do Cepa
Gabrielli Fleming entrou no salão pela primeira vez “para ajudar no fim de semana”, e acabou abduzida. Foi estudar, virou sommelière formada pela Wset, e deixou o posto de consultora de investimentos numa seguradora.
Já deu expediente na Osteria del Pettirosso e na Hospedaria, na Mooca, onde virou gerente, chefe de sala e assinou sua primeira carta de vinhos de pequenos produtores brasileiros. Hoje, dá as cartas (incluindo a de vinhos naturais) no salão do Cepa, no Tatuapé, onde também é sócia ao lado companheiro Lucas Dante, chef do restaurante.
“Tratamos cozinha e salão como iguais, não tem essa de ser um mais importante que o outro, o trabalho é complementar para garantir a experiência do cliente”, afirma. Gabi aposta num estilo de serviço ao mesmo tempo informal e acolhedor e gosta de chamar o cliente pelo nome. A descontração se estende ao serviço de vinhos, que busca desmistificar. De tênis, camiseta, terninho e com uma linguagem sem firulas, consegue “emplacar garrafas em 90% das mesas no fim de semana”, diz.
Onde. Cepa - R. Antonio Camardo, 895, Tatuapé
Morena Caymme, 28, do Fitó
Cadê a Morena? Cadê a Morena?, indagavam os habitués do Fitó, em Pinheiros, quando a chef Cafira Foz ousou levar a então hostess da casa para trabalhar no administrativo. Não deu certo, ou melhor, deu sim: hoje, a piauiense Morena Caymmi, 28, que é formada em jornalismo, atua como coordenadora de marketing, eventos e relações públicas do restaurante, mas não arreda o pé do salão nos horários de serviço.
“Cheguei aqui recém-formada, precisando muito trabalhar, então fui a melhor hostess que eu poderia ter sido”, afirma. Ao lado de Elisete Farias, que coordena a equipe de salão do Fitó, põe em prática um serviço caloroso e acolhedor, assim como se faz lá no nordeste. Chama clientes pelo nome e descreve os pratos do cardápio como ninguém. “É nessa hora que a gente fisga o cliente, com um discurso cheio de sabor”, diz.
Para Morena, além de jovem e despojada, a nova cara do serviço é mais diversa. “Prevejo um futuro com cada vez mais restaurantes, assim como o Fitó, delegando cargos de chefia a mulheres, pessoas negras e LGBTQI+.”
Onde. Fitó - R. Cardeal Arcoverde, 2773, Pinheiros
Guilherme Frossard, 32, Komah
Quem chega cedo ao Komah, antes da casa abrir a porta para evitar a fila de espera, já deve ter esbarrado com o Guilherme Frossard na calçada. Com seu tênis All Star branco de cano alto ele começa o atendimento ali mesmo, bate um papo para entender quem já é cliente ou marinheiro de primeira viagem. “Esses pratos aqui, conseguimos preparar sem a pimenta”, orienta apontando o cardápio.
“Querem um drinque enquanto a mesa não é liberada? A gente traz aqui fora”, diz. É nesse clima descontraído que o serviço continua lá dentro, executado por uma equipe afiada (treinada por ele), pronta para tirar qualquer dúvida, inclusive a pronúncia das palavras em coreano.
Para executar o serviço de vinhos, Guilherme, que não é sommelier, buscou treinamento prático com as importadoras “para sugerir harmonizações com propriedade”, diz. Também acabou de concluir o curso de Gerente de Operações em Restaurante, ministrado pela Escola de Gestão em Negócios da Gastronomia. “A ideia é estudar sempre para aprimorar o atendimento.”
Onde. Komah - R. Cônego Vicente Miguel Marino, 378, Barra Funda