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Restaurantes e Bares

‘Devemos nos ver como cozinheiros em primeiro lugar’, diz chef e empresário Oscar Bosch

Natural da Espanha, o chef falou sobre os desafios da cozinha, os novos caminhos e como vê o futuro do setor

 . Foto: Alex Silva|EstadãoFoto: Alex Silva|Estadão

O chef Oscar Bosch, natural da Espanha, traz em sua essência a tradição familiar enraizada na gastronomia. Originário de uma cidade ao sul de Barcelona, Bosch cresceu imerso no universo culinário, influenciado pelos restaurantes de sua família e pela cultura gastronômica europeia.

Com uma jornada marcada pela experiência prática e estágios, incluindo uma passagem pela Itália, ele adquiriu habilidades que o diferenciam como chef autodidata. Em 2010, desembarcou no Brasil em busca de novos desafios, enfrentando obstáculos que o levaram a encontrar oportunidades em eventos e, posteriormente, à abertura do restaurante Tanit, do Nit Bar De Tapas e da sorveteria Mooi Mooi.

Oscar Bosch é chef do Tanit, em São Paulo Foto: Alex Silva/ Estadão

A seguir, confira a entrevista com Bosch da série Paladar Convida, onde discutimos os mesmos assuntos com entrevistados que passeiam por diferentes setores da gastronomia.

Quais os principais desafios que existem, hoje, no setor de gastronomia? Como superar isso?

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São diversos desafios a enfrentar. Primeiramente, para quem possui um restaurante, é crucial manter-se sempre atualizado e em destaque. Em uma cidade como São Paulo, conhecida por sua efervescência gastronômica e pela constante chegada de novidades, o desafio é manter o restaurante no topo, tanto em termos de qualidade da comida e dos ingredientes quanto em consistência no serviço. É essencial garantir que os clientes tenham uma experiência consistente em todas as visitas. A falta de atualização pode resultar em ser engolido pelo dinamismo da cidade. Outro desafio enfrentado desde o ano passado é a retenção de equipe, uma tarefa cada vez mais difícil devido à alta rotatividade. Talvez isso se deva à crescente oferta de oportunidades no mercado. Manter a equipe feliz e satisfeita com salários justos é fundamental. Nota-se uma carência de uma escola especializada em treinamento de hospitalidade, especialmente para o pessoal do salão. A profissão parece ser vista como temporária para muitos, uma forma de juntar dinheiro. Trabalhando com uma equipe predominantemente jovem, com uma média de idade de 25 anos, aprecio a energia que eles trazem, mas é importante cuidar também do aspecto psicológico. Muitos membros da equipe não tiveram acesso a aulas formais de etiqueta e serviço, e acabam aprendendo na prática. Por isso, costumo me envolver ativamente no treinamento da equipe, ensinando detalhes como o manuseio do cardápio, a cortesia com os clientes e a etiqueta adequada.

Hoje, o que faz a diferença no setor? Como se destacar? Qual dica daria para quem está começando?

Uma dica é a persistência. Nem sempre as coisas saem como desejamos, mas é essencial manter a determinação. Uma das características da minha culinária, que me permitiu crescer, é a intensidade dos sabores em meus pratos. A potência é um diferencial, junto com a qualidade dos ingredientes e uma base sólida. É importante ter personalidade e clareza sobre seus objetivos. Por exemplo, mudar o conceito de um restaurante árabe para japonês simplesmente porque o do outro lado da rua está lotando não é uma abordagem sustentável. É necessário manter o foco. Como Daniel Redondo costumava dizer, há muitos chefs e poucos cozinheiros. Devemos nos ver como cozinheiros em primeiro lugar. É fundamental ter paciência e reconhecer a importância da experiência e maturidade antes de embarcar em empreendimentos significativos. Um restaurante não se resume apenas à cozinha; envolve administração, finanças e serviço de salão. Construir uma carreira sólida na gastronomia requer tempo e variedade de experiências, e muitas vezes isso significa explorar diferentes culinárias ao redor do mundo. Essa vivência internacional enriquece o cozinheiro e contribui para seu amadurecimento profissional de maneira única.

Salão do Nit, bar de tapas vizinho ao restaurante Tanit. Foto: Tiago Queiroz

O que falta para o setor de gastronomia ganhar mais força no Brasil e se igualar com outras potências globais?

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O Peru é uma fonte constante de inspiração para mim. Grande parte das minhas influências vem da América do Sul, e o Peru é um dos países que mais pesquiso e admiro. A união e identidade cultural do Peru são notáveis, e embora não seja um admirador da política, reconheço o papel do governo em promover a gastronomia peruana. No Brasil, sinto que a gastronomia muitas vezes é negligenciada, apesar de ser uma indústria que gera considerável receita e empregos. Seria benéfico um maior envolvimento do governo para impulsionar esse setor. Apesar de ser catalão de origem, me sinto mais brasileiro do que nunca. O Brasil é uma potência em ascensão e há muito espaço para melhorias. A cadeia produtiva, desde pescadores até restaurantes, ainda carece de uma integração mais eficiente. Assim como o Peru teve o renomado chef Gastón Acurio, o Brasil possui talentos excepcionais, como Alex Atala, que têm o potencial de elevar a gastronomia brasileira ao cenário internacional. A diversidade culinária do Brasil é imensa, refletindo as diferentes regiões do país, cada uma com suas próprias tradições e sabores distintos. Enxergo um enorme potencial de crescimento nesse sentido.

Como vê a chegada da inovação no setor de gastronomia? Há receptividade?

Atualmente, temos acesso a grande parte das máquinas presentes nas cozinhas americanas e europeias, embora frequentemente paguemos o dobro ou o triplo devido a taxas e impostos. Muitas vezes, é necessário adquirir máquinas nacionais equivalentes. Por exemplo, demorei a investir em uma máquina de vácuo, mas reconheço sua importância essencial na conservação e durabilidade dos alimentos, além de auxiliar no processo de cocção para quem domina a técnica. Não é preciso recorrer a produtos estrangeiros para obter qualidade aqui. Mesmo na minha sorveteria Momo, onde as máquinas são italianas, o custo pode ser significativamente maior do que no exterior. No entanto, a tecnologia está cada vez mais presente na cozinha, facilitando o trabalho dos profissionais. No entanto, ainda há processos que demandam trabalho manual, especialmente em restaurantes de menor porte como os meus, onde não é viável ter máquinas para todas as tarefas. A tecnologia também está presente na operacionalização dos estabelecimentos, aproximando-nos dos padrões internacionais. Em meu restaurante, por exemplo, estou utilizando inteligência artificial para criar imagens de drinques no cardápio. Uma agência brasileira no exterior colaborou com a IA para reproduzir fielmente os drinques preparados pelo barman. Inicialmente, tive dúvidas sobre a eficácia dessa abordagem, mas ao ver o resultado, fiquei impressionado com o realismo e a qualidade das imagens. Todos os drinques apresentam um fundo mediterrâneo e são gerados por inteligência artificial.

Muito se fala de uma transformação digital, com as pessoas indo cada vez menos aos restaurantes e pedindo mais comida de casa. Vê isso como uma realidade?

Na minha experiência, os aplicativos foram uma ajuda crucial durante a pandemia. Inicialmente, eles nos permitiram manter as operações por um tempo significativo. No entanto, dada a natureza do nosso negócio, que envolve um alto volume de produção, chegamos a um ponto em que percebemos a necessidade de estabelecer uma cozinha exclusiva para o delivery. Diante dessa demanda, optei por abrir outro restaurante em vez de investir nessa estrutura. Decidi interromper o serviço de delivery, observando uma queda na procura por alta gastronomia nesse formato. Para refeições rápidas do dia a dia, como saladas, bowls e pokes, continuo recorrendo ao delivery. No entanto, não acredito que vamos abandonar completamente a experiência de jantar fora de casa. Pessoalmente, adoro frequentar restaurantes e aprecio o contato direto com o serviço. Espero sinceramente que essa tendência não se consolide, pois acho que tornaria a experiência gastronômica muito artificial. Embora os aplicativos facilitem a vida das pessoas, prefiro a interação pessoal ao ir a um restaurante, sentar e conversar com o garçom.

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Como vê seus restaurantes daqui cinco, dez, quinze anos? Como acredita que ela vai se transformar para se adequar às novas gerações?

Gerencio três restaurantes, todos voltados para o fine dining e com uma abordagem mais autoral, porém com um grande volume de clientes. Esses estabelecimentos demandam muito trabalho, pois requerem mão de obra qualificada e exigem cuidado meticuloso na preparação dos pratos, que são conhecidos pela delicadeza e pela presença de marcas renomadas. Em um restaurante com estrela Michelin, por exemplo, é esperado que apenas cerca de 40 pessoas sejam atendidas por serviço. Gerir restaurantes desse tipo é um desafio constante, especialmente quando se trata de manter a qualidade e a integridade dos pratos em três locais diferentes. Considerando o futuro, talvez seja prudente diversificar e abrir marcas mais informais e menos exigentes em termos de operação. Embora todos os restaurantes demandem esforço, há opções de negócio que podem ser replicadas com mais facilidade, como um bar de tapas, que poderia ser estabelecido em diversos bairros. Por outro lado, o Tanit é mais específico e atrai um público mais definido. No entanto, espero manter meus restaurantes atuais e talvez abrir outros no futuro. Recentemente, também incursionei na indústria de sorvetes, o que tem sido uma experiência gratificante. Gosto de estar sempre em movimento, buscando novas oportunidades e evitando a monotonia. Para mim, é essencial estar constantemente inovando e buscando novas ideias.

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